Há dois pontos que se destacam na obra de Junji Ito: primeiro é a união entre o grotesco e o macabro que guiam as histórias do autor; o segundo é a habilidade de Ito de criar imagens visualmente chocantes e bizarras.

imagem: quadro de morada do desertor.

Foto: Pedro Vieira/JBox.

Curiosamente, na obra Morada do Desertor, publicada pela Pipoca & Nanquim, o primeiro ponto se sobressai sobre o segundo para trazer ao leitor um conjunto de contos que vão se aprofundando cada vez mais em um universo reinado pelo terror do absurdo.

Trata-se de uma coletânea de obras do autor publicadas em diferentes momentos do início da carreira. Por serem organizadas de maneira cronológica (com o conto mais antigo sendo apresentado primeiro e assim por diante), a coletânea traz um ar de “estudo evolutivo”, uma vez que o leitor consegue perceber como as habilidades narrativas de Ito foram se desenvolvendo conforme ele criava mais histórias.

Nesse contexto, é compreensível que “Biocasa”, o conto que abre a coletânea, seja um dos mais fracos dos aqui reunidos. Nele, o autor mistura temas como relações de trabalho, vampirismo e biotecnologia de uma maneira pouco eficiente, resultando em uma história para lá de confusa e sem qualquer charme.

Entretanto, logo em seguida temos contato com uma narrativa de Ito bem melhor elaborada na história da “Ladra de Rostos”. Aqui o autor cria uma narrativa muito mais focada e que, embora tenha seus problemas, ao menos oferece um desenvolvimento satisfatório para seus personagens, inclusive com alguns plot twists tão comuns nas histórias de Ito.

Falta apenas aquele impacto visual que o mangaká cria tão bem em suas histórias mais inspiradas e que os leitores vislumbram em “O Quarto de Modorra”. Nele, são criados alguns bons momentos de horror físico que geram sentimentos de assombro e repulsa em um primeiro momento, mas que depois são substituídos pela curiosidade de ver em até que ponto a narrativa levará o leitor.

Ainda assim, o maior caso de impacto visual ocorre no (ótimo) conto “Os Longos Cabelos do Sótão”, no qual o autor extrapola alguns limites da bizarrice e, ao mesmo tempo, oferece uma narrativa concisa sobre vaidade e decepção nas relações românticas. Esse último tema, inclusive, parece ser um dos que Ito mais gosta de trabalhar, já que volta a aparecer em tramas como “Amor Roteirizado” e “Garota Má”, que elaboram pequenas tragédias em torno de relacionamentos glorificados – mas sem o charme que “Os Longos Cabelos do Sótão” nos apresenta.

Nessa obra, A Morada do Desertor”, conto que dá nome à coletânea (mas curiosamente sem o artigo “a”) tem um lugar especial. A história não é a mais bizarra, nem a visualmente mais impactante, só que possui uma premissa tão curiosa que é difícil não se empolgar lendo-a.

A narrativa gira em torno de uma família que, durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), deu morada a um desertor do exército. Anos mais tarde, os integrantes da família ainda se divertem amedrontando o soldado escondido em sua casa criando situações que o fazem acreditar que a guerra continua e que, caso ele decida deixar a casa, será descoberto pelo exército japonês e sentenciado à morte.

Aqui, por mais que o desenrolar se torne previsível em determinado ponto, o conto não deixa de ser menos instigante e sua conclusão pode trazer alguns calafrios justamente por manter em aberto a resposta para uma das situações mais curiosas da história.

imagem: quadro de morada do desertor.

Foto: Pedro Vieira/JBox.

A coletânea ainda possui outros contos notáveis como “A Vila das Sirenes”, que é quase uma novela gótica sobre uma cidade tomada por um demônio. Aqui a narrativa envolve o leitor em uma teia de mistério em torno das ações sem sentido de seus personagens, mas deixa a desejar em sua conclusão, dando a impressão de que poderia até ser mais longa (e ela já é uma história bem longa para os padrões do autor).

Esse é o inverso do que é visto em “Coração de Pai”, um conto que começa vago e sem sentido, mas que, ainda que possua seus problemas narrativos, apresenta um dos poucos finais fechados da coletânea e um dos mais eficientes também.

“A Espada do Reanimador” não é tão virtuoso quantos os demais contos. A história acaba se perdendo em uma trama de fantasia confusa e pouco atraente, com um terror fraco que não causa medo ou curiosidade. Outro conto que merece um destaque negativo é “A Teoria do Diabo” que, junto de “Biocasa”, forma a dupla de narrativas menos interessantes dessa coletânea.

Como qualquer autor, Junji Ito tem seus altos e baixos e Morada do Desertor demonstra bem isso. Por seguir uma linha cronológica e explorar contos muito iniciais da carreira do artista, ele traz algumas verdadeiras joias em seu conjunto, mas também histórias bastante esquecíveis. Ainda assim, essa pode ser uma coletânea prazerosa para alguns, principalmente aqueles que são fãs de longa data do mangaká.


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Essa resenha foi feita com base em edição cedida pela editora Pipoca & Nanquim como material de divulgação para a imprensa.


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