O novo filme de Hayao Miyazaki finalmente está chegando ao Brasil. Com estreia prevista para 22 de fevereiro, O Menino e a Garça (Kimi-tachi wa Dou Ikiru ka?) teve já praticamente um minicircuito de pré-estreia em São Paulo no Sato Cinema.

Produções do estúdio Ghibli — particularmente os do Miyazaki — sempre fazem certo barulho e causam expectativa. O filme já foi indicado ao Oscar e tem tido boa recepção na bilheteria americana, assim como teve na japonesa. Não é por menos: o filme é um espetáculo visual.

Tudo bem, todo mundo espera animação bonita do Ghibli. Nos últimos anos, a maioria dos filmes animados japoneses chegando por aqui nas telonas são de shounens famosos, e muitos deles parecem episódios estendidos (não estou colocando os literais episódios estendidos de Kimetsu nessa conta) — uma animação como O Menino e a Garça, que realmente tenta explorar ao máximo as possibilidades da animação como mídia/meio, é um grande refresco.

O filme é longo, o que não é um problema, e requer a sua atenção integralmente, o que pode ser um problema para algumas pessoas. A mensagem, ou as mensagens, podem acabar confusas para quem não prestar toda a atenção que o enredo requer.

Muitas coisas são contadas nos detalhes — nas formas como os personagens interagem, como eles se referem um ao outro (e aqui, a legenda se esforça ao máximo para traduzir os modos de tratamento do idioma japonês), e algumas podem ser mais difíceis de entender quando não se compreende o idioma de origem.

imagem: mahito e a garça em forma humana.

Divulgação: Ghibli/Goodfellas/Sato Company.

A trama traz Mahito, um menino de uma família de classe alta cuja mãe morre nos momentos iniciais, e se passa durante, presumidamente, a Guerra do Pacífico (1941-1945). Seu pai se casa novamente, com a irmã de sua mãe, e a família se muda, temporariamente, para o interior.

É nesta nova casa, em uma “nova” família, que Mahito se depara com uma torre, e com a garça que dá nome ao título brasileiro — ao contrário do que ele pode sugerir, o filme não é, exatamente, sobre o menino e a garça, mas traz uma aventura com os dois, em parte. A torre conecta Mahito a uma espécie de realidade paralela, mas não tão paralela assim.

Tem muitos temas tocados de forma curta, mas evidentes ao longo da trama. A guerra, por exemplo, aparece nos soldados que andam nas ruas, nos negócios do pai de Mahito, que vende equipamentos para o Exército Imperial do Japão (e literalmente lucra com a guerra), na escassez de certos itens mesmo em uma casa de alta classe, no fato de que ir à escola é fazer trabalho voluntário em fazendas, mas ela não entra, de forma direta, no enredo.

imagem: senhoras idosas com latas de leite em pó, peixes em conserva e outros tipo de comidas em lata.

Divulgação: Ghibli/Goodfellas/Sato Company.

Outro tema que atravessa o longa é a relação entre Mahito e sua tia-madrasta, que não é abertamente “bélica”, mas passa por um claro conflito e estranhamento entre as duas partes — ela também é mais óbvia no texto em japonês, na distância clara estabelecida pelos personagens no discurso.

O Menino e a Garça é um filme aberto a muitas interpretações, talvez justamente por tocar em muitas questões diferentes. Existe, aparentemente, uma mensagem sobre amadurecimento, aceitação da realidade, mas parece haver também uma mensagem sobre fazer histórias.

O mundo “da garça” é um mundo fantástico, se não criado, ao menos mantido por uma pessoa, que poderia ser comparada a um autor. Todos os dias, ele precisa acrescentar algo a esse mundo, para mantê-lo de pé — tudo em torno desse personagem parece comentários sobre ato de criação de mundos e narrativas, seus dilemas, problemas e consequências e, principalmente, sobre ficção não existir no vácuo.

Apesar de haver muito para falar e pensar sobre o longa, ele provavelmente é melhor aproveitado com o mínimo de conhecimento prévio o possível, para cada um poder fazer sua própria leitura — não existe uma única coisa que seja possível dizer “esse é o ponto”, todos os personagens assumem papéis que, em momentos distintos, podem representar coisas diferentes. Não existe exatamente um “simbolismo fixo e único” para um personagem.

O título original em japonês, que significaria Como Vocês Vivem?, deixa mais clara essa intenção do filme de abranger muitos aspectos da vida ao mesmo tempo, trazendo uma pergunta que é também retórica.

Em alguns pontos, O Menino e a Garça lembra um pouco A Viagem de Chihiro, mas definitivamente os dois não são “o mesmo filme”. Talvez um pouco “ame-o ou deixe-o”, é uma história que se propõe a sair com você do cinema.


O Menino e a Garça estreia nos cinemas brasileiros em 22 de fevereiro, em cópias dubladas e legendadas. A resenha foi escrita com base na versão legendada, exibida em pré-estreia.


O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.