Em uma entrevista ao The Verge, o novo CEO da Crunchyroll, Rahul Purini, respondeu a uma pergunta ligada a como a empresa encara as “novas” tecnologias, como inteligência artificial — ele respondeu que há muitas possibilidades, e as áreas de maior interesse para testar no momento seriam legendagem e transcrição/legendas ocultas (closed caption).

Por volta de 1h04 da entrevista em áudio, ele diz o seguinte (tradução nossa):

I.A é realmente uma das coisas na qual pensamos bastante em diferentes fluxos de trabalho na empresa. Agora, uma das áreas na qual focamos é testar legendagem e nossas transcrições, quando convertemos falas para textos, e como melhorar e otimizar nossos processos, nos quais podemos legendar em diversos idiomas mais rapidamente, para podermos lançar [as séries] mais próximas dos lançamentos japoneses.

Então é definitivamente uma área na qual estamos focados. Dublagem, nem tanto por enquanto, por diversos motivos. Nossas dublagens geralmente são dublagens adaptadas, não traduções diretas, é um processo criativo, então temos times que adaptam as dublagens para cada região, humor […]. Então é algo com o qual estamos “brincando”, mas acreditamos que a tecnologia ainda não chegou lá, por enquanto.

Ao final, ele ressalta que, mesmo assim, estão investigando formas de usar inteligência artificial generativa nas áreas. Salta aos olhos, na transcrição da fala, a afirmação implícita de que dublagem é um trabalho criativo adaptado para cada região, enquanto legendagem não seria — o que, sabemos, não é bem verdade (algo que fica mais evidente nas legendas de séries que possuem muitos trocadilhos).

Os dubladores do Brasil fazem atualmente o movimento Dublagem Viva, cujo objetivo é regulamentar o uso de inteligência artificial no meio. Nas redes, é possível encontrar diversas postagens pela hashtag #DublagemViva.

Minutos antes dessa fala, Purini comenta os esforços para combater a pirataria e ensinar ao público que criadores devem ser pagos — algo um tanto irônico, já que diversos usuários e especialistas afirmam que as inteligências artificiais são ensinadas com produções alheias não-licenciadas internet afora, oferecendo serviços construídos através do trabalho não-pago de outrem.

A notícia deve dividir opiniões: o uso de IA tem sido muito debatido entre fãs e profissionais, e a tecnologia é geralmente vista ou como algo extremamente negativo ou como algo extremamente positivo.

A própria Crunchyroll tem um exemplo: em outubro do ano passado, o animê The Yuzuki Family’s Four Sons entrou com legendas incompreensíveis em inglês, e logo começou a especulação de que seriam legendas feitas por uma IA — os fãs ficaram revoltados com a péssima qualidade do texto, e mais ainda com a possibilidade de ser fruto de uma tradução automática. As legendas foram trocadas sem qualquer pronunciamento da empresa.

Saindo da Crunchyroll, o mangá de The Ancient Magus Bride também foi alvo de críticas, e até de ameaças de boicote, após a Bushiroad anunciar que o lançamento simultâneo de capítulos seria feito com uso de uma I.A.

A Netflix também já foi alvo de críticas após lançar um curta no qual uma I.A foi utilizada ao longo da produção — nem mesmo Eiichiro Oda, criador de ONE PIECE, escapou de críticas ao uso de ferramentas de aprendizado de máquina.

Vale lembrar que, após a compra da Crunchyroll pela Sony/Funimation, ficou evidente a queda na presença da empresa no Brasil, algo provavelmente relacionado com os diversos profissionais que trabalhavam no serviço há anos e pediram recentemente demissão, incluindo o ex-gerente regional Yuri Petnys e a ex-coordernadora de redes sociais Malu Arantes.

A impressão é que, apesar de aparentemente maior pelas campanhas de marketing, eventos mundiais e etc., a empresa passa por crise e desorganização internas, não só no Brasil. O antigo diretor operacional geral (COO), que atuava desde 2008 na empresa, deixou o cargo no ano passado.


Fonte: CBR, The Verge