Inio Asano é figura ilustre dentro da geração atual de mangakás. Muitos de seus trabalhos se tornaram celebrados nos últimos anos ao andarem no limiar entre o “cult” e o “pop”. Aqui no Brasil, obras como Solanin (L&PM), Boa Noite Punpun (JBC) e, mais recentemente, Dead Dead Demon’s Dededede Destruction (JBC) vêm sendo publicadas e elogiadas de forma merecida. Contudo, outro mangá do autor, Heroes, menos famoso em comparação com os três citados, chegou por aqui, e talvez ele mostre que mesmo pessoas com muito talento conseguem errar feio.

Heroes conta a aventura de um grupo de heróis, que inclui a protagonista Sonhadóra, uma menininha de atitudes vibrantes, e mais uma turma de figuras não muito usuais, como uma gostosa de biquíni com rosto de panda, um gato que pilota um disco voador, um homem mosca, uma cabeça gigante, dentre outros. Esses heróis vivem uma aventura, aparentemente, sem fim. Dentro de uma ilha de difícil acesso, e de quase impossível saída, eles precisam enfrentar o “mal” absoluto, um perigo selado naquele local que pode atacar um reino ali próximo.

Mas o que seria o “mal”? Talvez qualquer coisa, talvez tudo. Talvez o “mal” esteja dentro de cada um, e só seja necessária uma fagulha para ele se mostrar. Para representar isso, Asano cria uma narrativa cíclica, mais ou menos ao estilo “dia da marmota”, em que os personagens se veem presos numa mesma sequência de acontecimentos, que diariamente vai derrotando esses heróis, até que não reste mais nenhum.

Explico. O mangá abre com os heróis derrotando o “mal”. Ao cair, o vilão profere as seguintes palavras: “Parece que subestimei o poder do amor e da bravura de vocês. No entanto, mesmo que esse corpo venha a perecer, até que eu devolva tudo à inexistência, minha alma sombria será indestrutível…!!” E então, corta para um quadro onde um amigável porquinho jaz em uma cova recém cavada, onde os heróis, seus amigos, se felicitam pelo fim da aventura.

Com o término da ação, eles agora precisam retornar para casa, mas uma confusão começa quando o Rei das Moscas, um desses heróis, explica não ter para onde voltar, e não encontra apoio em quase nenhum dos colegas, que não querem ele por perto dali em diante. O único que o abraça é Crocodilito, que o convida para ficar em sua casa. Mas o Rei das Moscas recusa, pois Crocodilito tem um sotaque “caipira” muito acentuado, que o incomoda.

A confusão é grande e se estende por todo o dia. Ao fim dele, Rei das Moscas vai até onde o corpo do porquinho, o “mal”, havia sido enterrado e selado, e viola o túmulo, com agora ele, o Rei das Moscas, se tornando o “mal”. No início do capítulo seguinte, vemos que os heróis derrotaram o “mal” novamente, que profere as seguintes palavras: “Fico estupefato, Heróis! Quem diria que a sua bravura superaria o poder da minha escuridão!”, e continua, repetindo, “No entanto, mesmo que esse corpo venha a perecer, até que eu devolva tudo à inexistência, minha alma sombria será indestrutível…!!”

Imagem: Editora JBC

E o dia segue diferente, mas igual. Os heróis enterram e selam o ex-amigo. Contudo, outro dos companheiros foi morto na batalha, o Aliolly, uma criatura com três cabeças. Agora, há menos heróis, e eles precisam voltar para casa. No caminho, eles são abordados por um jornalista do reino, que deseja entrevistá-los e fotografar o grupo para uma reportagem. Ainda outra pequena confusão é criada, e calha de o jornalista, novamente, liberar o “mal”. Já imagina o que ocorre em seguida, certo? No capítulo seguinte, vemos que ele foi derrotado, profere as mesmas palavras, e ainda outro membro do time de heróis morreu no processo. Precisam sair dali, mas mais coisas ocorrem, o mal é libertado, e o ciclo segue até o fim.

Spoiler: quase todo o grupo de heróis é defenestrado nesse processo, restando apenas Sonhadóra e Duquelho, um coelho simpático que está sempre no ombro na menina. Então, para derrotarem o “mal”, o reino para qual eles trabalham envia reforços, um outro grupo de heróis, e o ciclo tem continuidade, mas de um jeito diferente. Eles enfim conseguem sair da ilha, mas algumas coisas que ocorreram ali seguirão com os personagens, de modo que, agora, no reino, esse mal, agora sem aspas, talvez esteja livre.

Heroes… tem metáforas. Elas estão lá, quase que esfregadas em nossas caras. Podemos enxergar nessa aventura que “mal” é algo que está dentro de todos, e que, para que ele seja libertado, é necessário apenas que estejamos sob condições que levem a isso. Por exemplo, há uma passagem bem significativa quando os novos heróis na ilha, dessa vez uma party de aventura medieval bem mais comum, com humanos ocupando posições como bárbaros, ladinos e paladinos, começam a discutir. A única mulher do grupo, uma guerreira que usa duas peças como armadura que deixam boa parte de seu corpo voluptuoso à mostra, é rígida com Sonhadóra, e os homens a repreendem por isso.

A briga evolui para uma discussão sobre ela mostrar demais o corpo, e eles evitarem olha-la por medo de serem acusados de assediadores, criticando o feminismo e por aí vão. Tudo escala para o principal herói do grupo a segurando, dizendo que irá assassiná-la ali para provar que ele não é machista e bate em mulheres da mesma forma que bate em homens, com os demais caras da party se recusando a ajudar a guerreira. E aí, novamente, o “mal” é libertado.

Mas esses “heróis” retornam ao reino, e são recebidos como heróis. Eles seguem suas vidas, são celebrados, e a própria narrativa do mangá dá ao principal deles um final glorioso. Isso talvez seja uma alegoria sobre como as coisas não são exatamente como são contadas. Sobre fatos heroicos, na verdade, serem narrados pelo ponto de vista dos vencedores. Sobre por baixo do pano existir muita sujeira, e que aqueles que são idolatrados têm o seu mal interno que os levaram a serem “heróis”.

Imagem: Editora JBC

E mais que isso, talvez Heroes seja, em seu estilo narrativo cíclico, uma representação de que o mal, ou o “mal”, é algo que sempre irá acontecer, que por vezes ele é útil aos que souberem como usá-lo a seu favor, e que verdadeiros heróis, sem as aspas mesmo, sejam aqueles que sabem lidar com o seu lado sombrio em prol de algo maior.

O problema é que isso tudo é contado através de uma das histórias mais chatas, óbvias e maçantes de todos os tempos.

Como disse, Asano bola uma narrativa cíclica, onde os personagens e a trama voltam para o início toda vez que chegam ao fim. Entretanto, há outro elemento narrativo utilizado aqui, o da conclusão anticlímax. Ou, como gosto de chamar, coito interrompido narrativo. Ele sempre deixa de mostrar o que seria o ápice de cada capítulo: os heróis enfrentando o “mal”. Nunca vemos como os personagens são em sua forma monstruosa, nunca vemos como ocorreram as batalhas, nem como os heróis são mortos. O que temos é, a cada início de novo capítulo, o pós desses eventos.

É uma escolha estilística do autor. Mas quando ela é somada ao fato de as batidas de roteiro se repetirem capítulo a capítulo, e à total falta de sutileza dele em passar as mensagens que quer passar, o resultado é um mangá extremamente redundante, que corre atrás do próprio rabo tal qual um cachorro confuso. Chegou no quarto capítulo e pensei “tá, já entendi, a história já pode andar”. Mas quase não andou. Os desenhos são deslumbrantes, as cores são bonitas, mas a história mesmo é uma chatice.


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Confira no álbum embaixo alguns registros da edição brasileira de Heroes:


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Essa resenha foi feita em parte com base na edição cedida como material de divulgação para a imprensa pela editora Veneta, que disponibilizou o primeiro volume da obra ao JBox.


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