Após quatro indicações ao Oscar de 2022, que resultaram em uma vitória para o Japão na categoria de Melhor Filme Internacional, Ryusuke Hamaguchi volta a colocar um novo projeto nas telonas: O Mal Não Existe (Aku wa Sonzai Shinai).

imagem: cena do filme O Mal Não Existe

Divulgação/Imovision

A história acompanha Takumi Yasamura, o faz-tudo de uma pequena cidade. Ele vive uma vida pacata junto de sua filha, a qual cria sozinho após o falecimento de sua esposa. A cidade se mostra um lugar acolhedor, onde todos se conhecem e se ajudam.

Mas um dia, uma agência de modelos aparece querendo criar uma área de glampling (uma forma glamourizada de acampar). Claro que isso não cai bem nos ouvidos da população, que se queixa de todos os impactos que a empreitada deixará não apenas no meio-ambiente, mas também em suas vidas cotidianas. Assim, a empresa tenta persuadir Takumi em ser o zelador do campo de glamping e ajudar a empresa a desenvolver o novo empreendimento.

Hamaguchi volta com seu estilo de direção característica, trabalhando em um ritmo mais lento para criar a atmosfera interiorana. Isso é importante para lembrarmos que o ambiente mostrado está completamente diferente da correria das grandes metrópoles.

Contudo, ao contrário de seus trabalhos anteriores, a película era originalmente um curta de 30 minutos que se tornou um longa-metragem. Por mais que Hamaguchi tenha um ritmo característico de contar uma história, nota-se que alguns momentos acabaram entrando na versão apenas para adicionar minutagem. Mesmo assim, o filme não se torna longo. Pelo contrário, com menos de 2 horas de duração, o diretor consegue contar uma história mais concisa.

A trilha sonora composta por Eiko Ishibashi (que também compôs para o animê de 2019 de Blade of the Immortal) é um deleite para os ouvidos. Esta é a segunda colaboração dela com o diretor, após o premiado Drive My Car. E mais um filme contando com o trabalho da dupla já está confirmado: Gift, que não terá diálogos.

Quase todo o elenco de Gift também já se encontra nesta produção, onde podemos ver que a escolha deles para duas películas quase simultâneas não foi por acaso. A presença de cada ator é natural, com uma interpretação que em determinados pontos poderia facilmente ser passada por um documentário.

A fotografia cumpre um importante papel, ressaltando a beleza de um ambiente que, mesmo com a ação do homem, se mostra quase imaculada por ele.

imagem: cena do filme O Mal Não Existe

Divulgação/Imovision

Agora entraremos no significado da história. Caso não queira estragar sua experiência ou levar um spoiler, aconselhamos a parar a leitura neste parágrafo.

A escolha do título do longa é interessante: uma afirmação que se prova completamente errônea. Hamaguchi mostra que o ditado é verdadeiro, e o “diabo” mora nos detalhes. O mal nos cerca o tempo todo, mas nem todos são capazes de vê-lo. Pior, há ainda aqueles que não apenas veem, mas o idolatram.

Mas, que mal é esse? Aquele que nos cerca completamente o tempo todo: o capitalismo.

Todos na cidade vivem em harmonia não apenas entre si, mas também com a natureza. Ninguém é ganancioso. Todos sabem tirar aquilo que apenas lhe é necessário, respeitando os limites do que o ambiente consegue prover.

O faz-tudo ensina a filha sobre as árvores e animais, e sua importância no meio-ambiente. O líder local coleta penas caídas para fazer instrumentos para seu filho. A dona do restaurante, que encontra refúgio da vida agitada em Tóquio, usa apenas a água do leito local, o que lhe rende apenas elogios.

Mas nada disso importa. Quando a agência de modelos ameaça o ecossistema, a população se opõe — apenas para ser ignorada. O dono da empresa não se importa com as implicações de suas ações. O que importa é conseguir os subsídios do governo o mais rápido possível. Para tentar driblar a situação, ele recomenda que se contrate-o para trabalhar como zelador do local. Então os representantes, que não concordam com a atitude e estão descontentes com seus empregos, vão até ele.

Mesmo não aceitando, ele concorda em ensinar algumas coisas. E aí a tragédia recai sobre ele.

Enquanto é corrompido pela “mão invisível do mercado”, sua filha some. Apenas para depois achá-la morta por um atirador que ninguém viu. Tal destino já havia sido anunciado, ao encontrar com ela um cervo que sofreu o mesmo destino um pouco antes.

Não apenas ela morre, como toda a inocência e senso de comunidade. Seu pai tenta matar o homem que representa todo o mal que recaiu em sua vida, mas não tem forças sozinho para isso. O representante do capital se ergue, mesmo que cambaleante, mas segue em frente.

O mal existe, é difícil de ser derrotado e cobra caro.


O Mal Não Existe teve passagem legendada nos cinemas nacionais pela Imovision.


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