É muito prazeroso ser testemunha da evolução do Anime Friends como evento. Predecessor dos grandes formatos que tomam conta do mercado do nicho “geek”, o AF continua com seu vigor e conseguiu neste ano ampliar a percepção de qualidade, que já tinha promovido na edição de 20 anos.

Batendo recorde de atrações e explorando um espaço renovado do Centro de Convenções do Anhembi (que deixou o evento com um “ar” nunca antes visto), a produção segue o exercício de agradar gerações de fãs mais antigos e entregar entretenimento para os exigentes fãs de gerações mais novas. O resultado disso é um line-up variado, sempre injustamente alvo de críticas. 

O palco principal do evento e os espaços complementares estavam espetaculares. O palco principal apresentava gigantescos painéis de LED, que não se vê em muitos shows nacionais. Coisa boa e requintada mesmo. A organização do evento comercializou no estande de itens oficiais aqueles bastõezinhos de luz típicos de shows no Japão. O resultado, somado aos efeitos interativos durante os shows, foi fantástico.

imagem: foto de um show do Anime Friends

O palco principal e os efeitos durantes os shows desse ano estavam incríveis! | Foto: Larc/JBox

 

Falando dos shows em si, não tinha do que se reclamar: além de músicas brasileiras com a presença da banda YUYU20 (formada pelos responsáveis pela trilha sonora em português do animê Yu Yu Hakushô), rappers de anime e intérpretes de versões em português não oficiais (TAUZ e o pessoal do canal do YouTube, Miura Jam), os integrantes da Danger 3 (Rodrigo Rossi, Ricardo Cruz e Larissa Tassi), Janaína Bianchi (do clássico tema de Pokémon, mas também fez uma performance pra abertura de Shurato) e até uma orquestra (Orquestra Monte Cristo) tocando animesongs no palco com participações especiais — como os dubladores de One Piece cantando o tema Bink’s Sake em português –,  o AF trouxe um quase um jumbo de cantores japoneses inéditos para essa edição.

A começar pelo Bandai Namco Music Live Festival com vários artistas diferentes, que ainda se “recombinavam” no palco em uma salada musical japonesa orgástica. O quarteto WASUTA (que entre seu repertório próprio também performou a clássica ”Moonlight Densetsu”, abertura de Sailor Moon) e a dupla Takeru e Hiroto entregaram empolgação na atípica sexta-feira que foi o evento — atípica porque parecia meio vazio. 

Na sexta também teve a primeira apresentação da banda ALI, que foi espetacular. Quem esperava se divertir apenas com as canções famosas do grupo (a primeira abertura de BEASTARS e o primeiro encerramento de Jujutsu Kaisen) ficou de queixo caído com a performance repleta de ritmos de jazz e soul. Nunca vi tanto otaku dançando na vida.

▶ Clique aqui para conferir alguns registros do show do ALI

 

Banda ALI na coletiva de imprensa | Foto: Larc/JBox



No sábado. ClariS, Nano.RIPE e VK Blanka também sacudiram o palco. A dupla ClariS esbanjou graça e talento com seu repertório (com músicas de animê como Nisemonogatari, Owarimonogatari e, claro, músicas de Madoka Magica), enquanto Nano.RIPE entregou um cardápio de músicas executadas em animês como Shokugeki no Soma (ou Food Wars, que esteve um tempo disponível com dublagem na Netflix), Citrus e Bakuman. VK Blanka fechou a noite com os temas de Black Clover e um som que emocionou os presentes.

No domingo, o palco foi aberto com o Super Friends Spirits. Foram mais de 2 horas de músicas com Takayoshi Tanimoto, Shinichi Ishihara, Hideaki Takatori, Ricardo Cruz, Rodrigo Rossi, Larissa Tassi, Janaína Bianchi, Luigi Carneiro, Lucas Araujo e Hans Zeh. Entre músicas clássicas de animê e músicas de tokusatsu, o SFS é um momento estonteante que celebra a cultura pop japonesa no Brasil com vigor. ROOKiez is PUNK’D veio na sequência com suas músicas de Bleach, Durarara e Blue Exorcist. E fechando o palco, novamente o show “exótico” do ALI.

Fiz questão de falar sobre os shows e apontar sua qualidade pois o público otaku brasileiro é extremamente problemático há eras: reclamam de tudo, apoiam/compram quase nada e consomem pirataria sem qualquer remorso. Pelo preço pago nos ingressos, poder curtir qualquer um dos shows e ainda ter um evento inteiro pra percorrer, já deveria ser motivo pra estar mais que satisfeito com o Anime Friends.

Mas, deixando de lado a parte musical, o que mais ele tem pra oferecer?

 

Cadê a empresa que deveria estar aqui?

IMAGEM: FOTO DO ESTANDE DA REDRAGON

Estande da Redragon, um dos poucos que chamavam atenção. | Foto: Larc/JBox

Anualmente dezenas de empresas licenciam marcas japonesas e lançam produtos em nosso mercado. De material escolar, passando por roupas, calçados e acessórios, segmento editorial, brinquedos, games, alimentos… você conta nos dedos das mãos as empresas “legais” que marcam presença no Anime Friends. Tirando as maiores editoras de mangá (JBC, Panini e NewPOP) e uma ou outra grande marca, os estandes pomposos (com infraestrutura de alvenaria, como na CCXP) ainda são poucos.

A maior e mais inexplicável ausência estava na Crunchyroll. Justo o maior streaming de animês do planeta não tinha nadinha lá pra apresentar. Culpa do evento? Seguramente não. Cada centavo que eles cobrarem por um metro quadrado da área deveria ser visto como investimento, e não como um “gasto”, pois o AF deveria ser visto como o melhor evento para se participar no país, por parte de um streaming tão segmentado.

Citei a Crunchyroll, mas todos os demais serviços de streaming deveriam entender que o Friends não é uma “feirinha” qualquer da esquina. Só pra não fazer uma injustiça, o novato Anime Onegai estava lá cedendo conteúdo para “sessões”. Mas sem qualquer estande, fica difícil uma promoção decente da marca. Bandai, Zona Criativa, Tilibra, Clio, Sunny… por que não investem em promoção de suas marcas justamente onde o público consumidor das licenças adquiridas se reúne?

imagem: foto de cosplayers

Cavaleiros ainda marcam presença em eventos (mesmo que só como cosplayers, nesse caso). | Foto: Larc/JBox



Esse ano Os Cavaleiros do Zodíaco completam 30 anos de estreia no Brasil. Tirando um painel da editora JBC (do qual participei), não existiu absolutamente NADA. Entendo que a marca já não tem mais o mesmo vigor em nosso país faz um tempo, mas não ter nada além de um painel é deveras triste. Para que serve o braço da Toei Animation dedicado à América Latina, afinal? E se perguntarem  do “Sakura Café”, direi que faltou uma boa dose de cafeína na execução do projeto — risos. 

Além do desinteresse das produtoras japonesas, outro fato curioso ocorreu: representantes de editoras japonesas estavam no evento, mas não fizeram nada além de andar por lá e tirar fotos dos pitorescos estandes de comida asiática na parte mais “low coast” do evento, onde tem aquele monte de produto que você sabe que não é licenciado (eles devem ter trocado figurinhas com editores e outras pessoas do meio também, mas sem presença mais formal das marcas no evento).

No jumbo de atrações do outro lado do mundo que o evento trouxe destacam-se, como já é tradição, os painéis com atores de tokusatsu. Takumi Tsutsui e Takumi Hashimoto esbanjaram sua simpatia e interagiram com fãs mais saudosistas sem medo. Parodiando uma marchinha do lendário Silvio Santos: “Jiraiya e Manabu; são coisa nossa!”.

Conhecidos pelo público brasileiro por conta da transmissão de suas séries na TV na metade dos anos 1990, a dupla Masaru Yamashita e Kouichi Nakayama (o Fire e o Solbraver de Winspector e Solbrain, respectivamente) pareciam um pouco tímidos diante de alguns “animados” fãs do gênero — pediam pro coitado do Yamashita jogar o cabelo o tempo todo. Graças a ótima interação no palco do versátil Ricardo Cruz (ele canta, traduz, entrevista, faz livro, LP, clipe…) a tensão dos convidados foi se diluindo pouco a pouco.

Um ponto curioso é um certo delírio coletivo que surgiu em torno da continuação da ideia lançada (e aparentemente largada) pela Toei Company do projeto Space Squad (uma espécie de “Vingadores do tokusatsu” ou algo do tipo). Isso por contra do diretor do projeto, Koichi Sakamoto, ter se reunido recentemente com os atores dos “heróis de resgate”. O povo carente de tokusatsu “das antigas” em nosso país começou a alimentar o sonho de que o projeto ainda pode rolar, deixando a comunidade em êxtase.

 

IMAGEM: Foto dos atores de Solbrain e Winspector

Os atores de Solbrain e Winspector | Foto: Larc/JBox

 

Em êxtase também ficaram os fãs do já clássico Gokaiger, (série Super Sentai de 2011), quando Ryota Ozawa (o Gokai Red) apareceu no disputadíssimo painel pra falar sobre sua carreira e participação na série pirata — famosa no Brasil graças à… pirataria! Concluindo os atores de tokusatsu, três nomes de Flashman (Kihachiro Uemura, Joe Ishiwata e Mayumi Yoshida; o Green, Blue e a Pink Flash, respectivamente) também protagonizaram painéis lotados de uma galera que, em grande maioria, já passou da casa dos 30 anos de idade.

Nem só de heróis japoneses os painéis do Anime Friends eram preenchidos, ok? Tinha dubladores (de animês recentes como Solo Leveling, passando pelos “dubla-stars” Guilherme Briggs e Wendel Bezerra. e indo até os anos 1980, com alguns lendários profissionais da versão brasileira de Cybercop – Os Policiais do Futuro), cosplayer internacional (Taryn), youtubers e criadores de conteúdo (em horários nem sempre atraentes pra grande massa do público…) e editoras fazendo anúncios.

O momento “mas hein?” este ano vai pra presença do ator e dublador americano Vicent Martella, que se consagrou no Brasil graças ao seu papel como Greg na série Todo Mundo Odeia o Chris.  Mas, sei que é justamente esse tipo de atração que às vezes “salva” o evento, pois atrai um público diferente do “otaku chato padrão”. Isso explica inclusive a presença do bodybuilder Leo Stronda no palco em dado momento — sendo bastante ovacionado por um público mais “geração Z”.

Em termos de programação o evento está de parabéns. Todas as atrações complementares (dubladores, atores, concursos e arenas) somam valor ao evento. Alguns pontos a reclamar, só pra não dizerem que estou passando pano, vão para o espaço de karaokê (que podia ser maior e melhor organizado); a sinalização (que não me dizia nada quando eu olhava pra cima), ausência de bebedouros (só achei um!) e… por favor… fechem patrocínio com uma empresa de internet pra fornecer wi-fi e tomadas para o evento. É irritante parar na entrada dos banheiros para carregar o celular.

 

 

Por fim…

Acho que os critérios para liberarem passes de imprensa para cobertura precisam ser revistos. Fomos credenciados para UM indivíduo e toda simultaneidade de eventos que ocorrem é extremamente desgastante realizar uma cobertura legal. Avaliem com base em dados analíticos, tamanho, tempo de existência etc.

imagem: Diversão em família (amiga com filho e pai, caracterizados como personagens de street fighter) 

Foto: Larc/JBox

Vivi tempo suficiente para ver a evolução da produção de eventos no Brasil. Das reuniões em bibliotecas para assistir fitas VHS piratas e sem legenda alguma (!) ou de alguma velharia gravada de colecionador; passando pelos protótipos de eventos nos pátios de escolas ou quadras de clubes; vibrando com a chegada aos centros de convenções com grandes atrações internacionais, até o presente momento da incompreensível absorção do universo da cultura pop japonesa como “parte” do universo chamado de “geek” pelo mercado brasileiro. 

Em algum momento da vida, trabalhei nos bastidores da produção de eventos voltados para o público fã de cultura pop japonesa e geek em geral — o mercado brasileiro assimilou que o otaku é parte do universo geek, e não uma “tribo” exclusiva — e digo que a loucura tomou conta do meu ser durante esse período. É divertido, mas extremamente cansativo e nem sempre dignamente remunerado. Mas há uma vontade tão grande de se empenhar em fazer o melhor que isso motiva todo um time para uma entrega que dificilmente agradará a todos. Mas, acredite: mesmo se só uma pessoa ficar feliz, você pensa que tudo valeu a pena.

Parabéns aos envolvidos. Vocês me deixaram feliz (e bem cansado também).


Galeria de fotos

Confira na galeria mais alguns registros do Anime Friends 2024:

 

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