Quem olha para os lançamentos recentes da série de jogos Mana sem muita atenção, pode achar que ela é uma franquia que nunca parou de entregar novidades para os fãs. Mas, quando paramos para observar com mais cautela, notamos que desde o lançamento de Heroes of Mana, em 2007, os títulos da franquia se resumem a remakes, remasters e jogos gratuitos com conteúdos pagos voltados para smartphones. Isso não impede que esses títulos sejam boas produções, só que não é o que todo mundo quer.
Se formos ainda mais críticos e considerarmos que Heroes of Mana não segue o padrão da franquia de ser um RPG de ação, o último título que dá para considerar como verdadeira novidade é Dawn of Mana (2006), até então o jogo mais recente da série principal da franquia, mas que não fez o gosto nem do público e nem da crítica. Foi assim pelo menos até 2024, já que Visions of Mana assumiu esse manto e, felizmente, tem tudo para ser bastante querido pelos fãs.
A honra do sacrifício e importância do amor
Visions of Mana é um jogo desenvolvido pelo Ouka Studios, que traz uma nova perspectiva para a franquia clássica da Square Enix — que nasceu como spin-off de Final Fantasy. O título conta a história onde a Árvore de Mana, responsável pela vida no mundo, precisa ser restaurada a cada quatro anos, algo que é feito por meio de uma peregrinação onde pessoas são escolhidas para serem sacrificadas. Para ajudá-las na jornada, é escolhido também um Guardião da Alma, que desta vez será Val, o protagonista do jogo.
Val é um morador de Tianeea, o Vilarejo do Fogo, onde foi também escolhida a Alma do Fogo, um dos sacrifícios para a Árvore de Mana selecionados pela Faerie, uma entidade enviada pela Deusa de Mana, e pelos respectivos Elementais de cada lugar. E a escolhida para cumprir esse papel é Hinna, amiga de infância de Val que sempre sonhou em viajar pelo mundo e, com a peregrinação, agora terá a oportunidade de fazer isso ao lado dele. Neste momento da escolha descobrimos o primeiro ponto interessante da história: o sacrifício para a Árvore de Mana é considerado uma grande honra e motivo de orgulho.
O orgulho da sociedade pelo papel de Alma é visível também nas ações dos companheiros que a dupla conhece durante a jornada. Careena, apesar de ser uma jovem rebelde, demonstra grande apreço pelo papel, a ponto dela mesma partir em uma jornada em busca do Elemental do Vento buscando uma autorização para se tornar um sacrifício. Morley sente o peso da culpa de ser um dos únicos sobreviventes de sua terra natal, que há muitos anos não conta com uma Alma devido a isso.
Já Palamena é a rainha de Illystana e, além de ser a responsável por ser uma das guias das jornadas das Almas, precisa lidar com as conspirações políticas que estão surgindo em seu reino. Por fim, temos Julei, um membro da raça dos Brotos (os Sproutlings), que está responsável por cuidar de seus companheiros para que um deles possa se tornar a Alma da Madeira.
Em resumo, a peregrinação das Almas é algo que pauta como funciona a sociedade de todo aquele mundo, porém as coisas não são tão belas quanto o ritual faz parecer. Ao longo da história, descobrimos que lugares que não enviam sacrifícios estão fadados à destruição, intensificando o aspecto de obrigação da cerimônia, o que se soma ao fato de que pessoas se encaminhando para a morte acabam, sim, gerando uma inquietação, mesmo que existam tentativas de disfarçar esse problema. E logo nas horas iniciais, vemos que essa inquietude habita a mente dos protagonistas do jogo, mesmo que as coisas não pareçam assim, o que é algo que pauta o resto da história.
É possível dividir Visions of Mana em dois momentos distintos: a jornada inicial, quando são escolhidas as primeiras Almas e o que vem depois, quando os segredos daquele mundo começam a ser revelados, tanto do presente quanto do passado, e os sentimentos dos personagens principais começam a ser mais afetados pelos acontecimentos que os cercam.
Essa mudança é bastante visível principalmente em Val, que no início da história parece apenas um rapaz inocente e aventureiro, bem naquele estilo “molecão”, mas conta com um aprofundamento que traz grande dimensionalidade para seus sentimentos por Hinna e para seu papel como Guardião da Alma.
Essa temática envolvendo o amor, inclusive, só fica atrás da questão do sacrifício quando se tratam de coisas que se destacam no roteiro. Não só sobre a relação entre Val e Hinna, mas também no que envolve Eoren, um rapaz que surge misteriosamente durante a peregrinação, e outros personagens que aparecem posteriormente. A relação entre amor e sacrifício é eventualmente abordada com ainda mais profundidade, se tornando o foco principal da história, pois são criados vários paralelos entre essas relações durante o jogo.
O jogo consegue trabalhar muito bem sua temática principal, trazendo constantemente momentos que conseguem emocionar e carregam a essência melancólica que é marca da franquia. Isso é bem representado não só na relação entre Val e Hinna, mas também nos outros personagens principais do jogo, já que é feito um belíssimo trabalho com a representação do que cada um sente e eles nunca são completamente deixados de lado pela história, já que sempre estão conectados com o aspecto mais sensível do roteiro e continuam precisando enfrentar seus próprios problemas pessoais, e eventualmente aceitá-los como parte de si.
Além de manterem a importância durante toda a história, todos os personagens que formam o grupo principal são bastante carismáticos e é palpável o quanto eles vão ficando próximos durante a jornada, fazendo com que seja fácil criar empatia pela situação que eles se encontram. Eles começam a brincar mais entre si, se aconselham, entram em discussões e depois se resolvem.
Até mesmo sentimentos românticos começam a surgir entre alguns deles, por mais que eles tenham dificuldade para notar isso. Toda essa aproximação natural torna as coisas mais dolorosas para o jogador, já que os personagens, no geral, aceitam bem o papel de sacrifício, então, apesar de todos aqueles laços criados, eles estão se encaminhando para a morte com orgulho. Claro, isso cria dúvidas sobre esse papel, porém a dedicação pelo bem maior é tão forte que chega a ser angustiante de acompanhar.
Explorando o mundo e lutando por seus ideais
Fora dessas relações intrínsecas com a história, Visions of Mana entrega o que estamos acostumados com jogos de aventuras de fantasia: um mundo belo, porém atormentado por monstros e outros perigos. É possível explorar vários mapas vastos que ganham ainda mais imensidão conforme o progresso do jogador, já que muitas áreas só podem ser acessadas depois que conseguimos os receptáculos elementais que servem como base para a jogabilidade, não só de exploração, mas também de combate.
A exploração, no entanto, não se torna limitada devido à dependência desses itens, já que mesmo sem contar com os receptáculos, existe bastante liberdade para o jogador tentar forçar seu acesso a áreas que, aparentemente, são inacessíveis.
Apesar disso, eles ainda tentam controlar pelo menos um pouco o quanto o jogador pode abusar do sistema, colocando algumas paredes invisíveis e precipícios impossíveis de atravessar em lugares pouco naturais. Felizmente, isso não atrapalha tanto a experiência, ainda mais que somos obrigados a revisitar a maioria dos lugares durante a história principal, permitindo uma nova chance de exploração já com mais recursos.
A exploração também pode ser feita durante o processo de cumprir missões paralelas que, no geral, não chamam muito a atenção. Apesar de algumas fornecerem ótimos itens para o jogador, os objetivos secundários não contribuem muito para o roteiro, personalidade ou construção do mundo de Visions of Mana.
Existem algumas poucas exceções, principalmente em sidequests que seguem uma cronologia, porém, no geral, são missões bem simples de “leva e traz”, “derrote inimigos” ou “encontre tal lugar” que não se costumam se alongar de forma mais complexa. Essa falta de aprofundamento é refletida também nos NPCs, que normalmente trazem informações muito similares uns aos outros e que não agregam muito para o panorama do roteiro.
Além de não serem muito interessantes, algo que dificulta o processo de fazer as missões alternativas é como o sistema de viagem rápida funciona. Ele é limitado apenas por continentes e continua assim pelo resto do jogo, então sempre que você quiser fazer uma viagem para um local de outro continente, precisará fazer isso manualmente.
Isso acaba sendo um grande empecilho, pois não só a quantidade de missões paralelas aumenta bastante, mas também eventualmente muitas delas pedem que você consiga ou faça alguma coisa em um local distante e retorne para entregar a quest. Sem falar que os objetivos da história principal também, em dado momento, exigem ficar viajando de um lado para o outro, algo que poderia ser facilitado com a viagem rápida feita de maneira mais caprichada.
O jogo também conta com algumas dungeons além das grandes áreas. Elas contam normalmente com mecânicas exclusivas de exploração utilizando os elementos, dando um certo ineditismo para cada aventura nesses locais, sem falar que várias delas são bem interessantes visualmente por si só, não devendo nada para os locais maiores. Os calabouços, no entanto, só começam a aparecer com mais frequência na segunda parte do jogo, já que na primeira passamos a maioria do tempo explorando os espaços mais vastos.
Outra ocorrência que fica mais comum na segunda metade são os chefões, já que as dungeons costumam contar com um ou dois inimigos do tipo. As lutas contra chefes no geral são bem dentro do esperado para um jogo do tipo, mas não deixam de ser bastante satisfatórias, ainda mais porque existe uma boa variedade entre os chefes. Além disso, o jogo conta com pouquíssimos chefes repetidos e os que se repetem são colocados em momentos estratégicos que casam bem o que está sendo dito pelo roteiro.
Porém, essas batalhas épicas brilham de verdade porque o sistema de batalha permite isso. Nas horas iniciais, o combate não é muito atrativo, parecendo até mesmo um tanto engessado demais. No entanto, quanto mais avançamos com as classes, de habilidades e de uso dos receptáculos elementais, o sistema se enriquece bastante com possibilidades.
Com as combinações corretas de classes, elementos e personagens, alguns chefões que poderiam levar uns bons minutos podem ser derrotados em questão de segundos depois que se aprende mais do sistema. Mesmo os ataques básicos que dão a impressão de maior rigidez no início ficam mais dinâmicos quando entendemos melhor como funciona o timing entre os golpes, trazendo grande fluidez para os combos.
Outra coisa essencial para o funcionamento do combate é como o jogador decide usar os receptáculos elementais. Esses itens, obtidos com a progressão da história, cumprem funções bem diferentes entre si, servindo mais como catalisadores para aumentar o poder de ataque ou defesa do que como um adicional bruto para esses atributos. O receptáculo de vento, por exemplo, pode manter inimigos presos no ar por algum tempo, permitindo maior facilidade nos combos aéreos. Já o receptáculo da lua consegue desacelerar o tempo em uma área específica, o que pode criar uma combinação mortal quando usada com personagens velozes como Morley.
Os receptáculos elementais, além do uso básico, também contam com um ataque especial. Esse, quando carregado, aumenta os efeitos dos itens para toda a área de combate, além de potencializar a utilização de elementos durante o tempo de uso, sendo uma mecânica essencial para enfrentar os desafios mais difíceis do jogo. Os personagens também contam com outra barra que, quando está cheia, permite o jogador usar um golpe especial que atinge todos os inimigos simultaneamente e que causa grande dano.
Um aspecto do sistema de batalha que fica devendo um pouco é o sistema de classes. Logo no início do jogo, já é possível observar que cada personagem terá nove classes ao todo, porém eventualmente descobrimos que só existem três maiores variações entre elas, já que cada arma é usada por três classes.
O uso das armas nos ataques básicos não é alterado entre as classes, então o que muda de fato entre classes que usam armas iguais são apenas as habilidades passivas e ativas. O receptáculo elemental também se altera entre as classes, contudo eles são usados da mesma forma por todos os personagens, então não dá para considerar uma grande variação. Para piorar, a classe inicial de cada personagem é, no geral, um tanto inútil, considerando que não demora para termos receptáculos o suficiente para que todos os personagens possam usar.
Felizmente, as classes de cada elemento compensam bastante em questão de habilidades especiais, já que elas são bem diferentes para cada personagem. Val tem foco em buffs para o time, Palamena em ataques mágicos bem poderosos e Julei em habilidades de cura, para citar alguns exemplos. Após aprendidas, as habilidades de uma classe podem ser utilizadas por outras, o que, apesar de ser um ponto positivo, tira ainda mais a individualidade das classes.
Um aspecto interessante das habilidades é que, apesar de ser possível utilizá-las por via de atalhos rápidos, também podemos acessá-las por um menu que pode ser aberto durante as lutas. O menu paralisa momentaneamente o jogo, então acaba quebrando o ritmo das batalhas. Porém, ele dá acesso a muito mais habilidades que os atalhos, o que às vezes é bastante útil para personagens como Palamena, que se aproveita mais de ataques mágicos, mas também tem alguns buffs que valem a pena manter à disposição.
Esse uso mais pensado de habilidades é importante principalmente em algumas batalhas contra monstros especiais e contra inimigos de nível bem mais alto, que ficam espalhados pelo mapa ao lado de monstros mais fracos. Apesar dos chefes serem interessantes, são essas batalhas que exigem de verdade do jogador. Isso porque, ao tentá-las, é possível notar que é, sim, viável enfrentar esses inimigos mais difíceis e vencer. Entretanto, é necessário pensar bem em cada abordagem. Fazendo as escolhas certas e lidando bem com os golpes adversários, é possível derrotar até mesmo inimigos com 30 níveis a mais que os personagens jogáveis, por exemplo.
Os locais que mais exigem das habilidades do jogador são as ruínas e os Aeries, que trazem desafios especiais. Nas ruínas, é possível encontrar inimigos de níveis bem altos agrupados, sendo necessário derrotar uma quantidade X de grupos para abrir uma porta que dá acesso a um monstro especial.
Caso o jogador se saia bem, é possível ter acesso bem cedo a algumas das armas mais poderosas do jogo. Porém, são desafios bem difíceis de se tentar e podem pegar de surpresa alguém desprevenido, já que o grupo do monstro especial é bem mais complicado de lidar que os grupos anteriores. Já os Aeries, que funcionam como templos elementares, consistem em desafios de tempo. Ao completar uma certa quantidade deles, o jogador ganha acesso a uma torre maior, que traz um desafio de nível elevado e com um baixo limite de tempo.
Assim como as ruínas, os Aeries também fornecem itens poderosos, sendo no caso deles as Sementes de Habilidade. Esses itens não são exclusivos dos desafios, podendo ser obtidos também em baús, por meio de missões ou de troca, já que são quase como um tipo de equipamento, porém mais personalizáveis. Com eles, é possível ganhar não só bônus de atributos, mas também efeitos passivos como aumento de duração do uso de receptáculos elementais ou até mesmo a possibilidade de equipar habilidades que normalmente só são obtidas por classes de outros personagens.
No início, o espaço para as Sementes de Habilidades é bastante limitado, porém ao longo do jogo é possível obter itens que expandem o que pode ser equipado. Esses itens também são bem importantes para os desafios mais difíceis, já que com a configuração certa delas é possível ganhar uma ótima vantagem nessas lutas.
Um jogo belo em todos os sentidos
Visions of Mana também consegue entregar a beleza da narrativa através da parte visual, tanto em cenários quanto personagens. O único problema desse aspecto talvez seja que parece que houve certa dificuldade em apresentar expressões durante algumas cenas, às vezes fazendo que alguns personagens ficassem com um certo sorrisinho no rosto mesmo durante cenas dramáticas, por exemplo, algo notável principalmente em Val e Hinna. Não chega a ser um problema tão grande, já que não é uma ocorrência tão frequente assim, mas acaba incomodando em alguns momentos importantes durante a jogatina.
Outro destaque fica para as músicas, principalmente as que tocam durante a exploração, porque elas fornecem muito bem o clima necessário para ser bastante confortável andar pelo mundo de Visions of Mana. A transição da trilha sonora para as batalhas também é feita naturalmente, já que as músicas utilizadas nos combates são versões mais intensas das que tocam durante as andanças por aí, naturalizando tudo como parte do processo de descoberta daquele mundo.
Visions of Mana, apesar de alguns pequenos tropeços, traz uma experiência que faz jus à herança histórica da franquia, não só sendo um ótimo jogo por si só, mas criando uma expectativa para a série se impulsionar ainda mais ao lado de seus esforços recentes com remakes e remasterizações.
O título também consegue ser bastante receptivo mesmo para jogadores que nunca tiveram ou tiveram pouco contato com a série, conquistando não só pela narrativa emocional, mas também por seus personagens bem escritos e pelos aspectos de jogabilidade. Um jogo bastante completo em todos os sentidos.
Visions of Mana fica disponível para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox Series e PC em 29 de agosto. O JBox recebeu gratuitamente uma cópia para PC pela assessoria de imprensa da Square Enix para a produção desta resenha.
O texto presente é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.
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