Caso alguém seja, por algum motivo, um leitor ávido dos meus textos aqui no JBox, sabe que umas reclamações que tive com o mangá Museum: O Assassino Ri na Chuva é que ele, mesmo sendo sobre investigação policial, dedica muito mais tempo à matança do que ao mistério em si. Esse apontamento da minha parte surgiu muito fácil na minha mente justamente porque eu estava simultaneamente jogando algo que trabalha essa questão investigativa de maneira excelente: Emio: The Smiling Man, o mais novo jogo da série Famicom Detective Club.
Caso não esteja familiarizado, Famicom Detective Club é uma série de visual novels no estilo adventure, aquelas que normalmente contam com elementos de mistério, exploração e resolução de puzzles. Apesar da importância histórica no Japão para o gênero, a série ficou por mais de 30 anos sem lançamento em outros países, algo que só aconteceu quando foram lançados os remakes da duologia original para Nintendo Switch. E a recepção parece ter sido bastante positiva, já que a Nintendo decidiu ressuscitar a franquia com um novo título.
Uma lenda urbana ganha vida
Na história de Emio: The Smiling Man, somos apresentados a um caso onde um estudante chamado Eisuke é encontrado estrangulado e com um saco de papel na cabeça. O que chama a atenção no corpo do garoto é que o saco de papel tem um rosto sorridente desenhado, assim como aconteceu com as garotas que foram vítimas de uma série de assassinatos que aconteceu 18 anos atrás no mundo do jogo, um caso que nunca foi resolvido. Para ajudar nas investigações, a Agência Utsugi de Detetives é chamada para o local do crime, e aí começa o trabalho do jogador no papel de detetives.
Logo no início do jogo, os detetives descobrem uma estranha conexão do caso com uma lenda urbana chamada de Emio. Na lenda, Emio é uma pessoa que usa um saco de papel com sorriso na cabeça, assim como no corpo encontrado. Ele aparece na frente de garotas que estão chorando e, caso elas não riam ou sorriam ao vê-la, elas são mortas por Emio, que depois cobre o rosto delas com um saco de papel sorridente. No entanto, apesar da semelhança, começam a surgir também certas diferenças, principalmente pela vítima da vez ser um garoto e o método usado para o estrangulamento ter sido diferente do da morte das garotas.
Com essa conexão entre os assassinatos e a lenda, começa o trabalho investigativo do protagonista, apelidado de Taro Ninten em alguns materiais promocionais da Nintendo, e de Ayumi Tachibana, que também faz parte da agência de detetives. A busca por pistas funciona de forma bem pé no chão do que é possível para uma dupla de jovens adultos, com conversas com a polícia, pessoas relacionadas com o garoto encontrado morto, busca por materiais jornalísticos dos casos de 18 anos atrás, entre outras coisas.
Apesar dessa descrição parecer simples e até monótona demais, na prática, funciona muito bem. O elenco do jogo é rico em personagens carismáticos e cheios de nuances, então os diálogos sempre valem a pena, até os mais triviais. Mesmo algumas figuras que aparecem mais tardiamente durante a história conseguem causar um forte impacto emocional, algo que acontece principalmente porque sempre nos é apresentado todos os lados da situação e dos envolvidos no caso.
A história consegue traçar ótimos paralelos entre os personagens, principalmente no que envolve as questões do passado de Junko, uma policial que está na investigação do caso, e sua família. O jogo também consegue equilibrar bem a conexão dos protagonistas com a narrativa, especialmente quando se trata de Ayumi. Mesmo que ela tenha menos tempo de tela, seu foco em conhecer o círculo social e entender os sentimentos de Eisuke contribui bastante não só para a investigação, mas também para aumentar a conexão emocional com o caso do rapaz, lembrando de coisas que remetem ao seu passado.
A progressão da narrativa funciona de forma excepcional, já que existe um talento na escrita que faz com que surjam indagações sobre o mistério constantemente. Particularmente, tenho um sério problema com muitas obras do gênero porque várias vezes prefiro ler até o final e esperar que a história me conte do que tentar descobrir o que aconteceu por conta própria, mesmo que fique curioso. Porém, a maneira que Emio: The Smiling Man funciona nesse aspecto deixa a vontade de sempre entender quem é o possível assassino ou as motivações das mortes, além de como os outros mistérios paralelos se encaixam no roteiro principal, então isso dá vários pontos para o jogo.
Essa curiosidade com a história se mantém bem forte até os momentos finais, já que, apesar de termos suposições, até lá continuamos completamente no escuro sobre qual é a verdade. Tanto que o final do jogo soa um tanto inconclusivo e anticlimático devido à falta de informações sobre alguns segredos do roteiro. Felizmente, as revelações são detalhadas no epílogo, mas é no mínimo uma decisão estranha ele ser algo à parte do jogo principal, considerando sua importância. O epílogo em si é excelente. Além de responder todas as perguntas restantes, grande parte dele consiste em uma bela animação mais ou menos do tamanho do episódio de um animê que funciona muito bem como conclusão para tudo.
No entanto, antes de conseguir as respostas, a dupla de detetives precisa interagir com os mais variados tipos de personagens possíveis. Membros da polícia, estudantes e seu professor, família do assassinado, família de suspeito, família de policial, dona de bar, aleatórios na rua e por aí vai. O que não falta são meios de buscar pistas, mesmo que às vezes não surjam informações frutíferas para o caso. O que importa aqui é a experiência fidedigna de uma investigação. E os personagens, além de ajudarem com o caso, contribuem com o aprofundamento da situação, deixando as coisas mais palpáveis, e muitos deles contam com uma história própria para contar, o que é feito de maneira cativante.
Um exemplo de como o mundo do jogo começa a ser afetado é quando, devido ao teor folclórico de Emio e a falta de informações na mídia, lojas começam a usar Emio como meio de propaganda e crianças começam a brincar de Emio, mesmo com o teor violento da situação. Se formos comparar pifiamente com algo, é parecido com quando começou a surgir brincadeiras com os jogos de Round 6 entre as crianças, mesmo que seja uma série com história violenta, tanto física quanto socialmente. Esse trabalho caprichado em apresentar mudanças no mundo do jogo e na escrita, mesmo de personagens não tão participativos, se torna ainda mais impressionante quando consideramos que o jogo não é longo, mas mesmo assim consegue instigar pela trama e elenco.
Apesar de toda seriedade de um caso de investigação de morte, o jogo consegue aliviar o clima de forma genial, tendo ótimos momentos cômicos, como nas conversas com Kamihara, membro da polícia que sofre nas mãos de Junko, que, como parceira de trabalho, age de forma extremamente rígida, ou com Fukuyama, professor de Eisuke e antigo conhecido de Ayumi que é passional até demais por sua profissão (e por Ayumi também, por assim dizer).
O próprio protagonista demonstra bastante personalidade nesse aspecto, sendo alguém meio bobo e que muitas vezes tenta aliviar a tensão com algum tipo de piada ou brincadeira, algo que ele faz até mesmo para acalmar a própria mente. Existe uma cena em específico logo no início do jogo que demonstra bem isso, quando o protagonista precisa esperar um ônibus num local isolado, próximo de onde Eisuke foi encontrado morto, e, como está sem nada para fazer, precisa dar um jeito de passar o tempo, fazendo isso das formas mais ridículas possíveis.
Mesmo que em alguns momentos essas interações mais cômicas pareçam que estão segurando a progressão da história, elas são bem importantes para conhecermos mais dos personagens ou nos sentirmos mais imersos na aventura. Sem falar que se torna um bom contraste quando os personagens citados, por exemplo, demonstram uma seriedade maior, intensificando o impacto dessas cenas.
A intensidade de muitas cenas ganha ainda mais brilho com a atuação de voz do elenco japonês. Megumi Ogata, como sempre, faz mais um trabalho ótimo no papel de Taro, que chega a ser um crime existir a opção de desativar a voz do protagonista. KENN também surpreende bastante expressando magistralmente as diferenças entre o tom cômico e o mais sério de Kamihara, assim como Ryoko Shiraishi consegue passar bem o contraste entre o lado severo e o mais empático de Junko.
Criatividade além do texto
O jogo também brilha ao usar suas mecânicas de gameplay de jeitos criativos, mesmo que o geral seja bem focado apenas no texto. Durante as investigações, é possível ter acesso a um menu com diversas opções simples, como fazer perguntas, chamar pessoas, usar telefone, mostrar coisas e por aí vai. No entanto, em dados momentos, é preciso pensar fora da caixa para avançar.
Existe um momento que o jogo faz com que seja necessário tentar abrir a tela de salvar os dados para progredir, por exemplo. Ou também cenas que você usa a opção de “mostrar alguma coisa”, que normalmente serve para objetos, para mostrar suas habilidades como um detetive ou apenas para se exibir. São momentos pontuais, mas que sempre são ótimas sacadas que mostram que existe um carinho em deixar as coisas mais divertidas mesmo que o sistema seja simples até para um adventure game.
O gameplay também funciona bem nos aspectos mais comuns durante a investigação. Em diversos momentos, principalmente quando Taro está revisando o caso junto de Ayumi, é necessário escolher entre algumas opções que servem quase como um teste para saber como está a compreensão do jogador sobre a história. No entanto, nem sempre são dadas escolhas diretas para o jogador. Às vezes é preciso buscar as informações corretas no caderno de anotações ou até mesmo digitar algumas respostas.
A maioria desses momentos não atrapalha o progresso do jogador ou altera alguma coisa no roteiro, porém ajuda a aumentar a imersão e a vontade de querer descobrir o mistério por conta própria. Além disso, é possível ter suas escolhas e ações julgadas por meio de um dos extras do menu principal, recebendo um tipo de pontuação pelo desempenho em escolhas e respostas. O teste faz até mesmo uma breve avaliação de sua personalidade através das ações tomadas. Tudo isso não afeta em nada, porém é um bom adicional legal de se ter.
Falando em funções extras, no menu principal também é possível acessar uma lista de capítulos que dá a opção de “rejogar” momentos específicos da história. Também tem uma função de escutar as músicas do jogo, algo que é bastante recomendável porque a trilha sonora faz um trabalho fantástico em vender a atmosfera noventista da história, mesmo que dessa vez não se trate de um remake de um título da época.
Algo interessante de Emio: The Smiling Man é que é possível jogá-lo mesmo sem nunca ter tido contato anterior com a franquia, como foi meu caso. Apenas algumas leves referências a jogos anteriores são apresentadas, porém não é nada que deixe o jogador sem entender o que está sendo dito ou que seja um spoiler. Os personagens antigos são apresentados de maneira que é fácil se apegar, então é possível partir direto para esse novo título sem problemas em todos os aspectos. O máximo que vai acontecer é bater a vontade de jogar os títulos anteriores, mas isso é mais por ser um excelente jogo do que qualquer outra coisa.
Emio: The Smiling Man é uma pedida certa para qualquer fã de mistério. O fato da história focar mais na parte social da investigação do que na criminal torna o título em uma experiência agradável e até mesmo leve, mas sem nunca deixar de apontar o peso que a morte de alguém tem para uma família, amigos e toda comunidade próxima, algo que é mostrado não só no caso principal da trama, mas também nos que aconteceram no passado.
E é justamente essa sensibilidade que traz uma maior singularidade para a obra. Ela é fundamental para falar dos sentimentos humanos dos mais variados tipos, e essa é uma história que trabalha essas discussões com maestria. Sem dúvidas uma narrativa capaz de conquistar qualquer um.
Emio: The Smiling Man está disponível para Nintendo Switch. O JBox recebeu uma chave gratuita para produzir a resenha.
O texto presente é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.
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O Rio Grande do Sul segue em situação de calamidade pública, passando por uma das piores tragédias da história do estado, após fortes chuvas e enchentes que permanecem em algumas regiões. O governo estadual reativou o PIX do “SOS Rio Grande do Sul”, criado ano passado, quando o estado foi também assolado por fortes chuvas, para receber doações que serão direcionadas para dar apoio humanitário às vítimas. Para ajudar, doe pela chave CNPJ 92.958.800/0001-38.
Alternativamente, há outras opções de doação, que também trabalham com ajuda premente, como a Vakinha (Movimento SOS Enchentes) e as Cozinhas Solidárias, do MTST (oferece comida para desabrigados e necessitados). Os Correios estão recebendo doações de insumos (roupas, itens básicos, alimentos etc) para envio sem custo às vítimas. Se preferir, doe para outra instituição de sua confiança.
Problema que ele não ter vindo com texto em português, sendo que 99% dele dever ser exatamente isso.
Com certeza jogarei, fiquei no hype quando anunciaram e pelo que vi por ai não decepcionou