Adaptações animadas da obra de Junji Ito vêm se mostrando um tiro no escuro. Já são três séries nesses últimos anos: Junji Ito Collection, de 2018, e Junji Ito – Histórias Macabras do Japão, de 2023, ambas do estúdio Deen, e agora Uzumaki, do estúdio Drive, que estreia neste domingo (29), via Adult Swim (TV) e Max (streaming), às 1h30.

Particularmente, acho que o problema com os animês de 2018 e 2023 é o fato de essas adaptações das histórias em quadrinhos serem pouco “adaptadas” para a mídia animada. O Junji Ito tem um estilo de desenho bem característico, que faz sentido dentro do tipo de história que ele conta. Em geral, são tramas curtas, de poucas páginas, onde os traços dos personagens são bem marcados, assim como os cenários e tudo mais, de modo a toda essa enorme expressividade contribuir com o gancho de direita que irá nocautear o leitor.

Traços que fogem do ordinário shounen a que estamos acostumados, quando bem adaptados, podem gerar obras fantásticas. Mob Psycho 100 é um exemplo. Mas a maneira como isso foi feito nessas duas séries ficou num limiar estranho entre manter as aparências dos personagens boladas pelo Ito, e tentar trazer uma polidez que deixasse tudo mais aceitável. O resultado é esteticamente bem pobre aos olhos.

E há também um problema de roteiro e direção em ambas as animações. Essa sensação de nocaute dos contos do Ito acaba diluída nos episódios. Falta uma trilha sonora mais efetiva em construir tensão, momentos de respiro, aquele incômodo de estar sendo puxado para algo ruim. No fim, os episódios são, simplesmente, chatos, um crime para histórias de horror e mistério.

O que nos traz à nova adaptação de uma obra de Junji Ito para as telinhas, Uzumaki, que conserta o problema estético das antecessoras. Em vez de tentar elaborar como seria uma “versão animê”, temos simplesmente o que é desenhado pelo Ito, em preto e branco mesmo, e com elementos típicos de gibis, como as linhas de expressão e movimento, animadas em tela. É um negócio bem estranho aos olhos, mas interessante. Fica em linha com outras esquisitices já veiculadas pelo Adult Swim/Cartoon Network, como as animações Frango Robô e Delta State.

O catastrófico é que Uzumaki piora ainda mais os problemas de direção, sendo desde já um dos piores episódios de estreia de um animê em 2024.

imagem: cena de Uzumaki

Imagem: Divulgação/Adult Swim/Max

Com direção de Hiroshi Nagahama, responsável por um dos piores animês da década passada, The Reflection, de 2017, Uzumaki segue a história de um casal de estudantes, Kirie Goshima e Shuichi Saito, na pequena cidade de Kurouzu-cho (traduzível como “Cidade do Redemoinho Negro”, 黒渦ー町). Embora esse fosse um lugar pacato, é como se agora esse ambiente estivesse doente, e que essa doença fosse causada por redemoinhos. Os ventos ventam criando pequenos furacões, os rios formam pequenos turbilhões, e coisas extremamente estranhas, tendo redemoinhos como engates, começam a acontecer.

Uzumaki é uma das obras mais bacanas de Junji Ito. O plot de uma cidade ser aterrorizada por redemoinhos é absurdo, mas funciona em diferentes camadas. A primeira é a de permitir que, em um espaço delimitado, uma porção de histórias de horror aconteçam, funcionando com o formato de contos que, o qual Ito é especialista. O segundo é tudo colar como uma metáfora. Tal como redemoinhos, acompanhamos Kirie e Shuichi rodando, rodando e caindo sempre num mesmo horror. É como se eles estivessem num pesadelo, que termina, e eles acham que acordaram para a realidade, mas aí percebem que estão em outro pesadelo. É cíclico e aterrorizante.

Mas uma parte grande dessas duas camadas funcionar se dá pelo fato de existir uma linearidade nas histórias. Tudo começa com Shuichi explicando pra namorada que a cidade está doente, e que seu pai é um exemplo disso. Seu velho se tornou obcecado pelo formato espiral. Ele passa o dia olhando para espirais. Procura formatos espirais em tudo. Não come se não tiver narutos entre os ingredientes. Só toma banho depois de criar redemoinhos de água na banheira. Seus olhos, então, passam a girar um independentemente do outro. No fim, o homem, literalmente, se transforma em uma espiral de carne. Ao ser cremado, a fumaça fúnebre que sai na cerimônia se converte em uma espiral negra no céu.

E essa é a primeira história. Na segunda, a mãe de Shuichi, traumatizada com o ocorrido, passa a ouvir a voz do defunto chamando-a para “se juntar à espiral”. Então, a viúva entra em pânico toda vez que olha o formato. Internada no hospital, ela corta as próprias digitais, raspa o cabelo para que ele não enrole no topo da cabeça, dentre outras coisas.

imagem: cena de Uzumaki

Imagem: Divulgação/Adult Swim/Max

Na terceira, é mostrado que uma amiga de Kirie, Azami Kurotani, tem uma cicatriz em forma de meia lua na testa. E que, por conta dessa cicatriz, todos os garotos de que ela se aproxima se apaixonam por ela. Porém, isso não ocorre com Shuichi, que já está apaixonado por Kirie, que viveu dois traumas terríveis nos dias anteriores, e que tem uma percepção sobrenatural com os redemoinhos que estão contaminando a cidade. Ele percebe que Azami exala uma aura estranha, e diz para ela se afastar da cidade enquanto tiver tempo, pois sua cicatriz, na verdade, não é coisa desse mundo.

Ao ser rejeitada pela primeira vez em muito tempo, Azami entra num ciclo vicioso de querer Shuichi. E a cicatriz de meia lua na testa se mostra, na verdade, como o começo de um redemoinho, que passa a consumir seu rosto, sua cabeça, até que sua seu próprio corpo para dentro dele, como se fosse um buraco negro.

É nessa continuidade espiral que mora parte do horror de Uzumaki. E ela é totalmente perdida no modo como esse primeiro episódio é dirigido e montado. Aqui, essas três primeiras histórias, e parte de mais uma, são comprimidas em uma só. Temos, então, que aceitar que Shuchi está passando por essas coisas terríveis com seus pais ao mesmo tempo em que Kirie e Azami agem como se isso não estivesse acontecendo. O mote de “acordar em outro pesadelo” não rola, pois são três eventos quase que simultâneos na narrativa.

Esse primeiro episódio de Uzumaki é bem ruim de assistir, e não desperta muita vontade de conferir os três que ainda virão. A história é muito boa, o jeito que o mangá é planejado é excelente, mas quando vai para a animação, parece picotado e limitado pela quantidade de coisas que querem abordar em tão pouco tempo.

Talvez o verdadeiro pesadelo ocasionado pelos contos do Junji Ito no mundo real seja a total incapacidade daqueles que os pegaram para adaptá-los em animê até então.


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Uzumaki estreia no próximo dia 29 de setembro no [adult swim] e na Max. O JBox recebeu o screener do primeiro episódio, que serviu de base para a produção da resenha.


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