Histórias de mistério são contadas a torto e a direito. De encontros com a mula-sem-cabeça ou o lobisomem, passando pelas lendas urbanas, até as aparições de espírito, todo mundo conhece alguém que jura de pés juntos ter tido contato com o sobrenatural. Essa recorrência e também esse fascínio faz com que narrativas de horror e mistérios sejam não apenas contadas de boca a boca, mas também divulgadas na internet, investigadas por “caçadores de mistério” ou até mesmo compiladas em um livro. Esse é o caso de Angústia, uma antologia de histórias sobrenaturais que, juram os envolvidos, aconteceram de verdade.
Com as ilustrações desenhadas pelo famoso Junji Ito e a narração ao encargo do colecionador de mistérios Hirokatsu Kihara, Angústia reúne nove “contos” e uma oneshot em mangá baseados em histórias verdadeiras relatadas diretamente ao próprio Kihara. Traduzido por Mateus Brito, o volume chegou ao Brasil em 2023 pelas mãos da editora JBC.
Angústia é uma obra que apresenta uma proposta bastante interessante. A ideia de reunir histórias contadas por pessoas reais que afirmam ter vivenciado os acontecimentos descritos nos contos dá um tempero realmente especial às narrativas, mas apenas esse detalhe não é o bastante para sustentar a narrativa.
No que diz respeito à parte visual da antologia, tudo é bastante satisfatório. A edição da JBC é bem bonita, bastante parecida com a japonesa, conservando todos os detalhes possíveis: desde a disposição do texto nas páginas a fim de acompanhar e acomodar as ilustrações e até mesmo as estilizações tipográficas feitas por Kihara no original em japonês. A arte de Junji Ito, como esperado, não deixa a desejar. Apesar de parecer ter um tom um pouco mais “contido” – por falta de descrição melhor –, as ilustrações se adequam ao tom das narrativas e as complementam. Trata-se de um ótimo adorno que acaba, até mesmo, roubando a cena. Não é à toa que a melhor história é “Viagem de formatura no verão”, a oneshot final contada em quadrinhos e não na forma de uma narrativa prosaica ilustrada.
O problema se encontra justamente na parte escrita da antologia à qual falta um tanto de charme. Precisamos ser honestos, Kihara tenta temperar suas narrações: o autor varia os tipos de narrador e usa estilizações tipográficas – letras maiores ou menores, fontes diferentes – e repetições a fim de causar efeitos de sentido, entretanto, mesmo esses recursos não são o bastante para cativar um leitor narrativamente falando. Sem as ilustrações de Ito, os textos de Kihara são muito crus e causam pouco efeito.
Talvez as narrativas tentem emular um pouco contos japoneses antigos compilados em antologias, mas a prosa não é quebrada o bastante para relembrar os tomos do Nihon Shoki, nem oralizada o bastante a ponto de parecer um conto antigo infantil. Assim, acaba ficando difícil criar uma conexão com a história a partir do texto, principalmente em português. Embora algumas histórias se saiam melhor nesse aspecto, como “Do oceano” e “Folk dance”, o saldo final é que faltou um charme, algo que amarrasse as pontas e tornasse a leitura da prosa por si só agradável. As histórias são bacanas, mas a execução deixa a desejar.
Além disso, a antologia se vende como uma coletânea que vai fazer o leitor gritar de medo, mas nem de longe algo assim acontece. As únicas histórias que realmente chegam a causar alguma sensação mais forte são “Folk dance” e “Viagem de formatura de verão”.
De fato, mesmo os mangás de Junji Ito não tendem a dar medo de verdade. Embora o autor tenha uma grande fama dentro do gênero horror, suas narrativas tendem a causar menos medo e repulsa e mais algum tipo de impressão, principalmente nas páginas duplas. Embora o não proporcionar medo possa parecer um demérito às obras de Ito, talvez esse seja o verdadeiro charme de suas narrativas: explora-se o horror para além do puro e simples susto. Talvez seja esse motivo pelo qual o que há de mais “agradável” e capaz de despertar sentimentos em Angústia seja justamente a parte visual, à cargo do mangaká.
Depois de nove contos prosaicos ilustrados e uma história em quadrinhos, o que resta de Angústia é um volume que promete muito medo, mas mal é capaz de entregar um ou outro desconforto e algumas doses de curiosidade. Uma premissa instigante cujo desfecho deixa a desejar.
Galeria de fotos
Confira no álbum abaixo alguns registros da edição brasileira de Angústia:
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Volume único
Essa resenha foi feita com base na edição cedida como material de divulgação para a imprensa pela editora JBC, que disponibilizou o volume da obra ao JBox.
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Potencial desperdiçado.
Decepcionante.