Quando li pela primeira vez o mangá de Sailor Moon (lá em 2014), tive uma infeliz surpresa com as cenas de ação. Elas eram um tanto quanto confusas, de modo que era difícil compreender o que estava acontecendo no todo sem usar um pouco da imaginação para completar quadros que pareciam se encaixar como um quebra-cabeças com peças faltando. Eis que, dez anos depois, tenho a mesma experiência com outra obra de garotas mágicas: Mermaid Melody Pichi Pichi Pitch.
A história, bastante popular no Japão e na Europa, chega pela primeira vez no Brasil pelo selo Planet Mangá da Panini (em uma edição que compila tudo em 3 volumes), e leva as histórias mahou shoujo para o fundo do mar, em uma trama claramente inspirada no conto A Pequena Sereia.
No mangá, escrito por Michiko Yokote e desenhado por Pink Hanamori, acompanhamos Lucia, uma princesa sereia que, ao completar 13 anos (considerada a maioridade para as sereias), viaja até a superfície em busca de uma pérola mágica que perdeu anos antes quando salvou um garoto chamado Kaito de ser afogado.
Lucia nutre uma jovem paixão por Kaito, só que seu relacionamento não será fácil, uma vez que ela não pode revelar sua identidade de sereia para o amado. Ao mesmo tempo, ela precisa reunir as outras 6 princesas dos setes mares para enfrentar o misterioso Gackto e as Dark Lovers, as asseclas do antagonista.
Nessa aventura, a protagonista contará com a ajuda de outras duas princesas sereias: a esperta Hanon, que é apaixonada pelo seu professor de música (falarei disso mais pra frente); e a bela e perspicaz Rina.
Na mitologia das sereias ao redor do mundo, desde os gregos até a nossa Iara amazônica, a música sempre teve um papel importante. Em Mermaid Melody não é diferente, e os embates entre as heroínas com os vilões envolvem batalhas musicais e cantoria. Claro, por se tratar de um mangá que não pode usar do artifício do áudio, não há música de fato e as personagens apenas aparecem dizendo “vamos cantar para acabar com você” ou coisas do tipo quando precisam enfrentar um inimigo.
Esse tipo de abordagem não seria um problema se tais disputas não fossem tão confusas, como citei no início desse texto. Por mais que Hanamori use vez ou outra pequenos efeitos na imagem e desenhos de notas musicais diferentes para representar a música das sereias e a dos vilões, o contexto dessa disputa é bastante prejudicado por uma composição caótica e que beira a algo sem sentido.
Os desenhos de cenários são quase inexistentes nessas sequências e muitas vezes uma página apenas começa com as heroínas se apresentando para as inimigas com seus microfones, a vilã reclamando do som da música e no fim Lucia dizendo “E que tal um bis?” – sua frase final de vitória.
Por mais que lutas não costumem ser o foco de um “mangá para meninas” e o mesmo problema seja percebido em outras obras, ainda há publicações do gênero que criam sequências de ação competentes (caso de CardCaptor Sakura e Tokyo Mew Mew). Então não é como se houvesse uma desculpa real para a falta de manejo nessa parte.
Com batalhas tão falhas, principalmente em um ponto tão essencial da história que é sua representação musical, como Mermaid Melody conseguiu alcançar o sucesso que teve? A resposta é simples: os outros elementos do mangá são muito eficientes.
A começar pelo relacionamento entre Lucia e Kaito, que é bastante envolvente. Você torce pela protagonista, que está longe de ser uma completa pateta em romantismo, mas que ainda assim se atrapalha quando está perto do amado. Além disso, Kaito não é nenhum príncipe encantado (como geralmente acontece com protagonistas masculinos nesse tipo de mangá), apresentando falhas de caráter que o deixam divertido.
Há certo erotismo também nas cenas entre os dois, algo que nem sempre é muito agradável de ver por se tratarem de pessoas muito jovens. Felizmente, Hanamori nunca cruza uma linha que faça o mangá se tornar problemático – Kaito é mostrado como um pouco tarado, mas não vemos ele fazendo algo além de piadas com Lucia.
Além disso, a obra abre espaço para o desenvolvimento de seus personagens. As heroínas Hanon e Rina tentam lidar, cada uma do seu jeito, com o fato de terem tido seus reinos destruídos por Gackto, ao passo em que buscam viver uma vida normal no mundo humano.
Há, claro, o problema do relacionamento romântico de Hanon com seu professor. Por mais que o mangá diga que ela é uma “sereia adulta”, na visão de um mundo comum ela ainda é uma criança. Chega a ser incômodo pensar que ela tenha tanta afeição por um homem mais velho, mas até o atual volume, nada passou de um “romance platônico” por parte da garota, felizmente.
As vilãs e Gackto também ganham atenção especial no roteiro de Yokote, e suas personalidades são bem definidas, ainda que o tempo de cada uma na história seja limitado. Talvez, se as sequências de luta fossem melhores, poderíamos ver mais dessas antagonistas.
Vale ainda dizer que os capítulos são muito caprichosos no que diz respeito à comédia. Yokote tem boas tiradas cômicas, e Hanamori sabe traduzir isso em gags visuais que tiram uma leve risada do leitor a cada página. Nesse ponto, os grandes destaques são Hanon, que adora caçoar de Lucia, e o pinguim Hippo, que costuma ser alvo de brincadeiras do roteiro.
O formato do mangá que chega ao Brasil é bem simples, com capa sem orelha e sem páginas coloridas, mas tem toda aquela elegância e ótima finalização que se pode esperar de uma obra da Panini. Além disso, o volume 1 vem com um charmoso marca página em formato de concha. É o tipo de edição que ficará bonita na estante de qualquer colecionador.
Por fim, Mermaid Melody Pichi Pichi Pitch é uma obra simples e aprazível, mas que graças aos seus problemas, dificilmente chamará a atenção de outros públicos que não o dos fãs de mahou shoujo e daqueles que já conheciam a história. Ainda assim, é bom ver mais um mangá do gênero chegando ao Brasil de uma forma bem trabalhada.
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Essa resenha foi feita com base em uma edição adquirida de forma independente pelo crítico, sem envolvimento da editora Panini.
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