Quem já tem alguns aninhos nas costas deve se lembrar da frase “a vida é uma caixinha de surpresas”. E, realmente, nunca sabemos o que nos aguarda.
Por exemplo, fui assistir ao filme Sol de Inverno, sem saber muito bem o que me aguardava. Chegando lá, fui surpreendido por um homem na porta do cinema ameaçando matar a todos, mas que felizmente mudou de ideia ao ser oferecido um chocolate para se acalmar. Foi a primeira surpresa do meu dia. Sei que desviei um pouco do assunto, mas a vida é assim. Ah, e a segunda surpresa, claro, foi o filme em questão.
![imagem: cena com um garoto vestindo uniforme de hóquei](https://i0.wp.com/www.jbox.com.br/wp/wp-content/uploads/2025/02/sol-de-inverno-takuya.png?resize=1021%2C763&ssl=1)
Imagem: Reprodução/Michiko Filmes
Sol de Inverno acompanha o jovem Takuya (Keitatsu Koshiyama), um menino comum que vê sua rotina mudar ao cair a primeira neve. Por conta do tempo, o garoto é obrigado a parar de praticar o beisebol e ir para o rinque de patinação treinar hóquei no gelo. E após uma de suas aulas, acaba vendo o ensaio das meninas da patinação no gelo. Em especial uma delas: Sakura (Kiara Nakanishi).
Takuya então passa a treinar os passos sozinhos no gelo, chamando a atenção do treinador Arakawa (Sousuke Ikematsu), que decide juntar os dois como uma dupla de patinação artística. Logo, um grande laço de amizade entre o trio se forma. O jovem se apaixona ainda mais por sua parceira de dança; ela, por sua vez, vê tudo como uma oportunidade de se aproximar mais do professor por quem tem uma paixonite. Já o treinador deseja apenas tirar não só o melhor da dupla, mas reviver todos os momentos bons de sua carreira através dos pupilos.
Consta que o diretor Hiroshi Okuyama optou por não escrever a maior parte dos diálogos, dando instruções antes das cenas e informando apenas o que estaria acontecendo na história. E isso se torna bastante perceptível, mas de forma bastante positiva. Em vários momentos podemos ver as crianças agindo naturalmente como crianças, mas sem perder a compostura. Um dos melhores exemplos é logo no início, sem muito spoiler, quando Takuya e seu amigo estão conversando e algo aparentemente fora do roteiro acontece. A reação dos dois meninos é a mais genuína possível, sem que eles saiam dos personagens em nenhum momento. Essa é uma naturalidade difícil de se conseguir, e por estar tratando com crianças, Okuyama soube tomar a direção correta, ainda mais na escolha notável de dois atores iniciantes realmente talentosas.
A opção estética também é algo que chama a atenção. Por ser um filme inspirado nas lembranças do diretor quando era criança e patinava no gelo, ele remete a um clima noventista (embora Okuyama tenha passado a maior parte da infância nos anos 2000). A pouca presença de tecnologias que revelem a época exata do filme, ajuda a criar uma atmosfera mais atemporal, quebrada em raros momentos. A fotografia soma nesta tarefa, remetendo a uma imagem mais antiga, como de um VHS.
![imagem: cena da personagem Sakura patinando no gelo](https://i0.wp.com/www.jbox.com.br/wp/wp-content/uploads/2025/02/sol-de-inverno-patinacao.png?resize=1023%2C755&ssl=1)
Imagem: Reprodução/Michiko Filmes
Algumas questões sociais também permeiam o filme. Takuya é um menino que passa a se interessar por um esporte que consiste muito mais na delicadeza dos movimentos do que na brutalidade. Sakura é uma menina que sente paixão por seu professor e o admira de longe, ansiando em ser notada por ele. Já Arakawa tem que conviver com o fato de que nem todos ao seu redor aceitam o fato dele ser gay. Inclusive, é o que traz problemas para dentro de seu treinamento no olhar de seu entorno, ao aceitar guiar um menino no mundo da patinação artística.
Okuyama amarra todas as questões. Claro que alguns momentos poderiam ser mais explorados se ele se permitisse fazer um filme de 120 minutos em vez de 90. Outro ponto que precisa ser destacado é o relacionamento entre Arakawa e seu parceiro romântico. Apesar de notarmos desde o início que ambos são um casal, a falta de proximidade entre os dois gera um desconforto. Sabemos que o Japão é um país bem conservador quando se trata de relacionamentos homoafetivos, e que a representatividade no cinema ainda enfrenta muitas barreiras; mas a falta de uma intimidade maior no dia-a-dia, comum entre qualquer tipo de casal, deixa essa estranheza.
Sol de Inverno é um filme curto, mas longe de ser raso. Nota-se o empenho e compromisso do diretor em colocar o coração na obra, ainda mais sendo um tema ligado à sua própria infância como patinador. Como curiosidade adicional, o próprio título do filme (Boku no Ohisama, no original) é tirado da canção da dupla Hubert & Hubert – que faz valer ficar para assistir aos créditos.
Lançado no Japão no ano passado, Sol de Inverno é o primeiro título por aqui da distribuidora Michiko Filmes, criada pela dupla Michel Simões e Chico Fireman. Mesmo sendo uma iniciante no mercado, a empresa tem um bom caminho pela frente se focar em filmes mais intimistas como este.
Por ser o primeiro filme, infelizmente não conta com muitas sessões. Mas se ainda estiver em sua cidade, tente prestigiar. Afinal, nunca sabemos quando podemos nos surpreender.
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