Female rage, histórias do tipo “bom pra ela”, edits do Tiktok de personagens femininas deixando tudo em chamas… Muito antes de tudo isso sequer sonhar em existir, Takako Takahashi já escrevia sobre mulheres odiando o casamento, a maternidade ou até mesmo queimando escolas. Importante expoente da Literatura Moderna Japonesa, a autora fazia em sua época algo que a escritora Sayaka Murata segue fazendo nos dias de hoje: criticar o status quo, o valor social do casamento e questionar as expectativas sociais determinadas para mulheres. Por isso, nesse dia 8 de Março, vamos conhecer um pouco mais sobre essa autora interessante e ao mesmo tempo curiosa.

imagem: foto em preto e branco de Takako Takahashi

Takako Takahashi. | Foto: Reprodução

Takako Takahashi foi uma escritora ativa principalmente durante o Período Showa (1926-1989) no Japão. Antes de escrever seu primeiro romance, ela se formou em Literatura Francesa na Universidade de Quioto.

Seu primeiro livro foi Botsuraku fuukei (Uma paisagem em ruínas, em tradução livre), em 1961, mas ela começou a publicar mais consistentemente a partir de 1970. Takahashi recebeu o Prêmio de Literatura Tamura Toshiko em 1972 por Sora no hate made (Até o fim do céu, em tradução livre), o Prêmio de Literatura Feminina em 1977 por Ronri Uman (Mulher Solitária, em tradução livre), o Prêmio Yomiuiri por Ikari no Ko (Filho da Raiva, em tradução livre) em 1985 e o Mainichi Art Award por Kirei na Hito (Uma pessoa bonita, em tradução livre) em 2003.

Em suas obras, a autora questiona os papéis femininos de sua época. Suas personagens frequentemente apresentam um sentimento de isolamento e desconexão em relação a seu entorno e a sociedade. As mulheres de Takahashi tendem a ser mães e esposas “ruins” como uma crítica às mulheres que seguem cegamente às convenções sociais e falham em apresentar uma identidade acordada com o todo, ou seja, em consonância com o esperado do papel feminino, apresentando uma identidade que destoa do esperado para uma mãe e esposa.

imagem: montagem com capas de dois livros de Takako Takahashi

Capas de ‘Ikari no Ko’ e ‘Takahashi Takako no Fuukei’. | Imagem: Reprodução/Kodansha/Sairyusha

Embora a escritora não seja uma feminista declarada, seus trabalhos literários são muito importantes ao servirem como crítica aos papéis femininos atribuídos às mulheres em seu período, que andavam atrelados à ideologia Ryosai Kenbo (Boa esposa, Mãe Sábia) propagada pelo Governo Japonês. De acordo com o que era defendido pelo governo, as mulheres deveriam ser aquelas responsáveis por administrar a casa, gerar e criar os grandes homens que guiariam a nação japonesa a um futuro próspero, forte e harmonioso.

As suas personagens são mulheres que não encontram felicidade no casamento e na maternidade, elas se deixam levar pelas expectativas sociais e se casam, mas a vida doméstica não lhes garante alegria ou completude. Assim, elas são mulheres que odeiam ser mães, ou odeiam seus casamentos, ou seus maridos, ou até mesmo seus filhos.

Dois contos de Takako Takahashi têm tradução para o português brasileiro: Formas Semelhantes (Soujikei, 1971) e A Ponte Suspensa (Tsuribashi, 1977), ambos traduzidos por Francisco Coutinho Filho em sua dissertação de mestrado “Figuras suspensas em Takahashi Takako: tradução e crítica de dois contos”.

Formas Semelhantes é um conto que se inicia com uma protagonista recebendo uma carta de sua filha. Nela, a filha conta que teve um filho, agora já com três anos. A moça justifica não ter contado para a mãe da gravidez ou do nascimento da criança antes, pois, desde que ela era ainda pequena notara que a mãe a desprezava.

Nesta história, existe uma tensão entre mãe e filha criada a partir do desprezo que a mãe, Akiko, nutre por sua filha, Hatsuko. O sentimento ambíguo que Akiko têm por Hatsuko surge do fato de ela ver em Hatsuko uma cópia sua. A menina é exatamente como ela, as mãos dela, o corpo como o dela e o destino muito provavelmente como o dela. Ao ver na filha seu espelho ela sente uma quase inveja da menina, como se a garota fosse alguém prestes a de alguma forma tomar o seu lugar. Tudo que ela pensa em fazer, essa garota é agora capaz de fazer antes, porque a menina é exatamente como ela.

Quanto mais parecida com Akiko a Hatsuko se torna, mais o sentimento de irritação cresce dentro de Akiko. Ainda assim, no início do conto, Akiko argumenta que o sentimento que ela sente por Hatsuko é o mesmo sentimento que todas as mães sentem pelos seus filhos.

imagem: foto de Takako Takahashi

Takako Takahashi. | Foto: Reprodução

Essa raiva aparentemente sem sentido algum da filha seria o bastante para caracterizá-la como uma mãe ruim, afinal, que tipo de mãe desenvolve sozinha dentro de sua própria cabeça uma competição silenciosa com a filha, um medo de ser imitada, de ser tomada ou substituída? Entretanto, são esses exatos sentimentos que caracterizam Akiko como uma autêntica personagem de Takako Takahashi: uma mãe ruim, uma mulher que ao se deixar levar pelas expectativas sociais se vê numa vida que ela não deseja e que tem sentimentos dúbios em relação à sua própria filha.

Assim como Akiko, outras personagens de Takahashi Takako demonstram sentimentos semelhantes para com a filha, ou alguma outra espécie de descontentamento com a vida de mãe e/ou esposa.

A sensibilidade e a ousadia de Takahashi em construir essas mulheres — que não são colocadas numa posição de vítima apática, mas de agentes psicologicamente complexas — são o que tornam a escritora um nome importante não apenas em seu período de atividade, mas também na contemporaneidade, pois suas obras talvez ainda tenham muito a dizer sobre as expectativas sociais para as mulheres e a condição feminina.


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