Há alguns dias, o Estação NET Botafogo, sala de cinema do Rio de Janeiro especializada em filmes de arte e em resgastes de clássicos, exibiu em uma sessão de madrugada (no que chamam de “Filmes da Meia-Noite”) Cleópatra: Rainha do Sexo, de 1970, dirigido por Osamu Tezuka e Eiichi Yamamoto.
O longa-metragem é o segundo de uma trilogia de filmes adultos chamada Animerama, produzida pelo estúdio Mushi Production. O primeiro é 1001 Noites, e o terceiro A Tragédia de Belladonna, que foi projetado nessa mesma mostra no ano passado.
A premissa do filme é hilária. Num futuro distante, uma equipe de militares em uma nave espacial tenta impedir que uma raça alienígena conquiste a humanidade através do “Plano Cleópatra”. Mas o que é esse plano? Eles não sabem. Então, através de uma máquina que envia a alma ao passado, três deles retornam aos tempos da rainha Cleópatra no Egito através dos corpos de três personagens que rondam a corte: uma aia, um escravo e o felino de estimação de Cleópatra.
Nessa, acompanhamos como a rainha e as demais mulheres no Egito tramam para impedir as invasões romanas de Júlio César (com quem Cleópatra se casa como parte do plano), Marco Antônio (idem), e Otávio. Não entrarei em detalhes de como esse “Plano Cleópatra” funciona para não estragar as surpresas do roteiro, mas vale dizer que envolve muita sensualidade, sexo e controle. E que é justamente assim que o trio do futuro consegue impedir a invasão alienígena.
Originalmente, Cleópatra foi um fracasso de crítica e público. O filme foi tão mal no Japão que seu licenciamento para exibição nos Estados Unidos foi uma última tentativa do estúdio de não ir à falência. E as coisas não foram melhores com as plateias estadunidenses: sendo a primeira animação para maiores de 18 anos a chegar nas telonas de lá, o longa foi erroneamente visto como pornográfico, com o público pedindo reembolso nas sessões. Uma cafonice sem tamanho.
Faça um favor a você mesmo e assista a Cleópatra: Rainha do Sexo do jeito que conseguir. Há diferentes versões em DVD e blu-ray que podem ser importadas, e também é fácil de conseguir por outros meios.
Tezuka e Yamamoto usam a premissa do enredo para bolar uma viagem de ácido psicodélica em forma de animação. Há uma porção de experimentações tanto nas técnicas utilizadas, quanto no roteiro. Algumas cenas misturam live-action com animação e o resultado é esquisitíssimo (no bom sentido).
Os personagens em tela parecem saber que são desenhos, e se aproveitam da ausência de limites para as anatomias e das leis da física na maneira como se movem e se comportam. As peles desses personagens são coloridas em tons “não humanos”, com pessoas na cor rosa choque, cinza, verde, azul, dentre outros, o que dá um ar dopado ao filme num todo.
Há, pelo menos, quatro cenas de sexo lindamente animadas. A primeira de Cleópatra com Júlio César é um barato lisérgico de formas e volumes sugestivos que nunca mostram exatamente o que está ocorrendo. Outra do casal, numa banheira quente, brinca com a fumaça escondendo partes do corpo e foca nos sons. Uma com a rainha e Marco Antônio aposta numa metalinguagem cinematográfica, como se a projeção falhasse e não víssemos tudo em quadro. E uma “de surpresa”, com Cleópatra e uma de suas empregadas, também aposta em formas confusas e no som para entendermos o que, de fato, está acontecendo.
As experimentações narrativas não ficam só nas cenas mais sensuais. O momento mais graficamente bonito do filme está em como representam a passagem onde Júlio César é traído e morto por todos no senado: uma apresentação em teatro kabuki, cujo fator anacrônico deixa tudo ainda mais impressionante.
Ao levar em conta que uma parte do público atual de quaisquer mídias, por sabe-se lá qual motivo, acredita e defende ferozmente em redes sociais que cenas eróticas não devam existir, sugiro que assistam a Cleópatra: Rainha do Sexo. Talvez o choque com vários personagens passarem quase toda a rodagem seminus ajude a transgredir algo na cabeça dessa galera e a trabalhar essa caretice dali em diante.
O Rio Grande do Sul segue em situação de calamidade pública, passando por uma das piores tragédias da história do estado, após fortes chuvas e enchentes que permanecem em algumas regiões. O governo estadual reativou o PIX do “SOS Rio Grande do Sul”, criado ano passado, quando o estado foi também assolado por fortes chuvas, para receber doações que serão direcionadas para dar apoio humanitário às vítimas. Para ajudar, doe pela chave CNPJ 92.958.800/0001-38.
O governador do estado, Eduardo Leite, recentemente informou que o dinheiro doado será utilizado com foco na reconstrução da vida das pessoas afetadas pelas chuvas e enchentes, e não em assistência premente. Caso prefira doar para uma instituição da linha de frente nos resgaste e auxílios imediatos, a Vakinha está realizando o Movimento SOS Enchentes. Outros movimentos confiáveis também estão recebendo doações, como o Cozinhas Solidárias, do MTST, que está oferecendo comida para desabrigados e necessitados. Os Correios estão recebendo doações de insumos (roupas, itens básicos, alimentos etc) para envio sem custo às vítimas. Se preferir, doe para outra instituição de sua confiança.
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Será que o Deslok de Patrulha Estelar foi inspirado nesse Júlio César do Tezuka? Pele verde/azulada, tirânico e sedutor…
Agora essa mistura de live action com animação eu não esperava!
O mundo só vai para frente quando as pessoas souberem que não gostar é diferente de precisar proibir. Quando perceberem que o que funciona para si, não necessariamente funcionará para outrem. Ou seja, nunca. Dar pitaco no que os outros podem ver ou produzir jamais aconteceu na história da humanidade.
Hoje progressistas e conservadores querem censurar conteúdos que não gostam, enquanto fingem defender a liberdade quando convém. Ambos os grupos no Brasil demonstram não ter abandonado a cultura autoritária de um país com mais de 500 anos de história, mas que só em cerca de 10% desse tempo tentou ser uma democracia e, por consequência, não aprendeu nem tentou consolidar um arcabouço jurídico que favoreça realmente a liberdade de expressão artística.
Sendo assexual, tudo o que for sexualmente explícito me agride, então prefiro continuar careta, muito careta. Mas se eu não fosse, não precisaria dar satisfação para não gostar. Assim como não posso querer proibir só porque eu não gosto. Que todo o mundo veja e produza o que quiser, desde que não me encha o saco.