Durante o mês de junho todos os olhos (midiáticos) se voltam para a questão LGBT+, ou quase isso. Várias marcas se pintam com as cores do arco-íris e pipocam discussões sobre criadores de conteúdo LGBT+, empreendedores LGBT+, figuras históricas LGBT+ etc.

Uma das discussões que acaba aparecendo é sobre literatura LGBT+, algo que é, na verdade, difícil de definir propriamente. O que é literatura LGBT+? É aquela que trata das questões LGBT+, aquela com personagens LGBT+ em situações de protagonismo, aquela feita por pessoas LGBT+ independentemente da temática? É um terreno espinhoso, pode ser uma discussão muito ampla e quem se propor a fazê-la tem de escolher um caminho a seguir.

Em paralelo, às vezes se misturando sem exatamente se misturar, podemos falar de quadrinhos LGBT+, e não é difícil cairmos na mesma questão complexa enfrentada pela sua irmã literatura. Quando estamos falando de mangá, então, a discussão se acirra, bem como se acirram os ânimos. Quantas brigas completamente infundadas não acontecem na internet todos os dias por causa da simples existência dos nichos de yuri e boys’ love?

Apesar de todo esse falatório, este texto não tem a menor pretensão de definir o que é ou não literatura LGBT+ nem quadrinhos LGBT+, muito menos fazer qualquer julgamento ou tese de doutorado sobre os nichos de yuri e BL. Entretanto, como estamos no mês do Orgulho LGBT+, hoje vamos falar de uma autora talvez não comentada na nossa década de vinte, mas que tem contribuições muito interessantes para o nicho de obras yuri: Ebine Yamaji.

imagem: capa do mangá love my life.

Divulgação.

A obra mais conhecida de Yamaji é, provavelmente, o yuri Love My Life. Ele foi serializado na revista Feel Young entre os anos 2000-2001 e posteriormente publicado em um único volume tankobon pela editora Shodensha. Em 2006, o mangá recebeu uma adaptação em live-action dirigida por Kouji Kawano e com as atrizes Rei Yoshii e Asami Imajuku nos papéis das protagonistas Ichiko e Eri, respectivamente.

Love My Life é uma obra muito sensível e interessante, principalmente considerando seu contexto de produção e publicação. Ela foi publicada nos anos 2000 e conta a história de duas protagonistas lésbicas, textualmente lésbicas, verbalizadamente lésbicas.

Claro, yuri não é a mesma coisa que “mangá lésbico”, não é exatamente a mesma coisa que mangá LGBT+ e essas histórias não precisam necessariamente tratar nominalmente a sexualidade de suas protagonistas, mas ainda é interessante pensar que uma obra que saiu no “período das vacas magras”, no qual muitas histórias eram meio agridoces (o que não é necessariamente ruim) ou se desenrolavam em colégios de meninas à moda das histórias Classe S, textualmente trata a sexualidade das suas personagens.

E não só isso, de maneira ousada Ebine Yamaji realmente “tenta pensar como seria ser gay” no Japão. A grande sacada da história é que a narrativa começa quando Ichiko, ao se assumir lésbica para o pai e contar que tem uma namorada, descobre que o pai é gay e a mãe era lésbica; eles haviam se casado apenas para constituir uma família.

O enredo é inusitado, mas é convincente. Os sentimentos expressos pelo pai de Ichiko são corroborados pela forma que o melhor amigo dela, um homem gay, é tratado na faculdade todos os dias. É uma obra que textualmente tem várias personagens LGBT+, sem jogo dos sete erros, e todas são tratadas de maneira muito sensível.

Junto a isso, a descoberta sobrea a sexualidade dos pais coloca Ichiko numa jornada de autodescoberta, não apenas em relação ao entendimento de si mesma enquanto mulher lésbica, mas também ao tentar digerir a descoberta sobre a verdadeira natureza do relacionamento de seus pais. Paralelo a isso, a namorada de Ichiko, Eri, também tem de lidar com o machismo do pai. É uma obra um tanto ousada, na melhor concepção possível da palavra.

imagem: capa de red thimble.

Divulgação.

E Love My Life não é o único yuri da lista de obras de Ebine Yamaji. Ao longo de sua carreira, ela foi publicada principalmente nas revistas josei Young You e Feel Young. Seus recentes trabalhos foram seriados na revista seinen Comic Beam. Entre seus títulos yuri encontram-se Love My Life (2000-2001), Free Soul (2003-2004), Indigo Blue (2001-2002), Binetsu no You na (2014) e Sweet Lovin’ Baby (2003).

Várias de suas obras, principalmente as yuri, tratam da descoberta, do amadurecimento, dos dilemas e da sexualidade femininas. Suas obras yuri tendem a retratar personagens mais adultas, em idade universitária, e não adolescentes. A autora já chegou a ser traduzida para o francês e italiano, mas ela nunca foi publicada oficialmente em inglês ou em português brasileiro.

O traço não moe e atmosfera um tanto séria, quase agridoce ou mesmo melancólica, dão o tom para as narrativas de Ebine Yamaji. Existem vários relatos de mulheres que dizem se conectar com as obras da autora, mesmo mulheres hétero dizem ter se identificado com suas narrativas yuri. É curioso, mas talvez isso signifique que os anseios femininos, sem essencialismo, quando numa mesma sociedade, podem se conectar, salvaguardando as devidas proporções.

Provavelmente, a característica mais interessante dos yuri de Yamaji é que todos eles têm personagens textualmente lésbicas. Nem sempre serão todas e algumas de suas narrativas tratam justamente do anseio de se permitir ou não viver o amor com outra mulher, mas as mulheres lésbicas estão sempre ali textualmente e nominalmente presentes.

De algum modo e por algum motivo, independentemente de qual seja a sexualidade de Ebine Yamaji, a autora teve delicadeza e a vontade de arriscar falar dos sentimentos de mulheres que amam mulheres e de outras temáticas mais. Apesar de não ser tão fácil encontrar todas as suas obras, afinal ela não foi publicada por nenhuma editora americana, existem traduções de fãs de seus mangás pela internet.

Num mar de histórias de colegiais e office ladies — dos quais gostamos muito, obrigada — Ebine Yamaji traz à superfície histórias com uma pitada a mais de seriedade, sem cair no piegas e no dramalhão barato. Neste mês de junho pode ser um bom momento para conhecer e revisitar os yuri de Ebine Yamaji.


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O Rio Grande do Sul segue em situação de calamidade pública, passando por uma das piores tragédias da história do estado, após fortes chuvas e enchentes que permanecem em algumas regiões. O governo estadual reativou o PIX do “SOS Rio Grande do Sul”, criado ano passado, quando o estado foi também assolado por fortes chuvas, para receber doações que serão direcionadas para dar apoio humanitário às vítimas. Para ajudar, doe pela chave CNPJ 92.958.800/0001-38.

O governador do estado, Eduardo Leite, recentemente informou que o dinheiro doado será utilizado com foco na reconstrução da vida das pessoas afetadas pelas chuvas e enchentes, e não em assistência premente. Caso prefira doar para uma instituição da linha de frente nos resgaste e auxílios imediatos, a Vakinha está realizando o Movimento SOS Enchentes. Outros movimentos confiáveis também estão recebendo doações, como o Cozinhas Solidárias, do MTST, que está oferecendo comida para desabrigados e necessitados. Os Correios estão recebendo doações de insumos (roupas, itens básicos, alimentos etc) para envio sem custo às vítimas. Se preferir, doe para outra instituição de sua confiança.


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