Entre as várias situações abordadas na ficção que conseguem ser bastante palpáveis na vida real, uma que se destaca pela facilidade de se criar empatia é de crianças que vivenciam o divórcio dos pais. É um assunto que, ao mesmo tempo que é uma experiência bastante compartilhada, também conta com uma individualidade, já que cada pessoa que passou por isso vivenciou de forma diferente. Mas, justamente por ser uma experiência comum, acaba sendo fácil simpatizar por qualquer pessoa passando por isso, mesmo quando não é o nosso caso. É algo tão presente tanto na realidade quanto na ficção que torna simples a conexão. E é justamente esse o caso com Diário do meu Pai.
Diário do meu Pai, também conhecido como Chichi no Koyomi, é um mangá com autoria do renomado Jiro Taniguchi, que há alguns anos vem ganhando cada vez mais espaço no mercado brasileiro. Apesar do aumento da presença por aqui e toda sua fama, admito que Diário do meu Pai foi o primeiro título que li do autor, obra que, felizmente, foi o bastante para deixar claro o porquê de toda comoção.
No início da história, acompanhamos Yoichi descobrindo que Takeshi, seu pai, faleceu, algo que ele trata com certa indiferença. Apesar disso, por ser um familiar próximo, ele acaba voltando para sua cidade natal para ir até o velório — algo que ele só fez por pressão de sua esposa, já que ele pretendia ir apenas ao enterro. Ao chegar lá, Yoichi se depara com um local e pessoas que não via há mais de dez anos.
Com o passar da cerimônia e o vai e vem das conversas entre familiares, Yoichi acaba mergulhando em seu passado, principalmente em sua infância e adolescência, anos que ainda viviam com seu pai, mãe e irmã. Isso é, ao menos até sua mãe ir embora de casa depois de uma separação impulsionada por problemas fora do controle da família, algo que afetou para sempre a relação de Yoichi com seu pai. No entanto, ao longo da história descobrimos que o rancor guardado pelo protagonista pode ser um tanto infundado, algo que desvendamos junto dele através da opinião das pessoas presentes no velório, principalmente por Daisuke, o seu tio.
Diário do meu Pai é um daqueles exemplos de como uma falha de comunicação pode afetar as pessoas por uma vida inteira. Yoichi, desde a infância, sentia que seu pai era muito distante — quase como uma figura do cenário — já que ele lembra dele apenas como um homem que estava sempre trabalhando, sem dar atenção para a família, o considerando responsável pela suposta ruína de seu lar. Esse sentimento acaba sendo impulsionado ainda mais quando ele leva em conta que a grande maioria das memórias que guarda da infância envolvem sua mãe, que, enquanto ainda morava com ele, era a única figura presente ao seu lado.
No entanto, por sua pouca idade, Yoichi nunca entendeu as motivações verdadeiras que causaram o divórcio. A figura materna sempre foi a presença maior em suas memórias mais queridas, então por toda sua vida ele acabou descontando suas frustrações no pai. Isso faz que surja uma culpa cada vez maior em seu coração quando ele descobre, segundo o viés de várias pessoas, que seu pai, na verdade, sempre foi não só uma “vítima” da história, como também alguém que sempre se dedicou a sua família.
Essa questão da vitimização do pai, inclusive, chega a ser incômodo em alguns momentos, já que, por mais que não seja nada escrachado, é feita uma culpabilização da mãe que não soa bem, mesmo que exista uma tentativa de amenizar as coisas para o lado dela. Isso piora um tanto quando levamos em consideração que uma das coisas que acarretaram os problemas que levaram até a separação envolve uma questão do “orgulho do homem”, que é o que faz Takeshi se afundar no trabalho para pagar as dívidas após um desastre levar tudo que a família tinha.
Apesar dessa questão, a mudança da imagem do pai na mente de Yoichi é feita muito bem. A disposição do pai de jogar fora sua vida mais despojada como forma de sacrifício pela família adentra cada vez mais o coração de Yoichi, algo que é martelado ainda com mais força quando seu tio decide deixar de ser apenas um contador de histórias e se manifesta de forma mais dura contra o sobrinho — que praticamente havia cortado todos os laços com pai, mesmo que toda a condição de vida que ele tinha hoje em dia tenha surgido de seu sacrifício.
No entanto, a história cobra apenas uma falta de comunicação por parte do filho, porém é perceptível que uma manifestação do pai também ajudaria com a situação. Ainda assim, existe um apontamento para essa questão nas entrelinhas quando Yoichi escuta que ele e seu pai são parecidos não só na aparência, mas também na forma de agir.
Outra coisa que ajuda o leitor a ser convencido pela moral apresentada no mangá é que o mergulho no passado de Yoichi acaba sendo apresentado de forma mais detalhada do que se esperava inicialmente. Apesar da impressão inicial de que veríamos apenas vislumbres das memórias esquecidas por Yoichi, acompanhamos também os momentos que ainda são vívidos na mente dele. São justamente esses momentos após o início da infância que são mais interessantes de se ver, porque observamos de forma muito nítida as lacunas serem preenchidas e o conflito na mente de Yoichi aumentar, ainda mais depois dele ter sido não só indiferente, mas também desprezado seu pai por tantos anos. As emoções que ele tanto menosprezou rapidamente começam a preenchê-lo, levando a história para um clímax excelente.
O Diário do meu Pai é definitivamente uma experiência que faz jus ao nome de um grande autor como Jiro Taniguchi. A obra é uma história que, ao mesmo tempo que consegue emocionar, também deixa um tom propositalmente agridoce que não só deixa o leitor investido do início ao fim, como também nos faz engolir junto de Yoichi o sentimento amargo que ele vivencia durante a obra. Por ser uma temática tão comum entre tantas pessoas, toda essa conexão emocional se intensifica ainda mais e deixa tudo palpável, brilhando em uma narrativa primorosa.
Galeria de fotos
Confira no álbum abaixo alguns registros da edição brasileira de O Diário do Meu Pai:
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Essa resenha foi feita em parte com base na edição cedida como material de divulgação para a imprensa pela editora Pipoca & Nanquim.
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