Princesa Mononoke

Princesa Mononoke
Mononoke Hime

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Produção: Studio Ghibli, 1997
Roteiro: Hayao Miyazaki 
Exibição no Brasil: MAX
Distribuição: HBO Films
Disponível em: DVD (apenas importado do Japão)  

As obras de Hayao Miyazaki dificilmente conquistam críticas ruins, tanto pela mídia especializada em cinema como por fãs de boas animações. Esse renomado diretor, que com mais de 40 anos de carreira realizou obras inesquecíveis como Nausicaä do Vale do Vento, Meu Amigo Totoro (injustamente inéditos em DVD / Blu-Ray no Brasil por conta da falta de visão de distribuidoras de vídeo), A Viagem de Chihiro (que levou o Oscar de melhor animação) e O Castelo Animado, transparece com variados níveis uma preocupação com a temática ambientalista que teve seu auge com a obra A Princesa Mononoke no (hoje) distante ano de 1997.

Mesmo não admitindo ser chamado de ecologista, é inegável o apreço do autor em transmitir mensagens sobre a importância da conservação de florestas e da busca de uma relação harmoniosa do homem e a natureza. De maneira única, Princesa Mononoke conseguiu produzir uma história com ecos de ação, romance, drama e sobretudo conscientização que supera de longe décadas de produções da Disney.

A produção, que levou quase 20 anos para ser finalizada, apresentou mais uma animação atemporal (ninguém consegue acreditar, se visto hoje, que o anime já esteja “tão velho”)  que tem como maior destaque a magistral trilha sonora de Joe Hisaishi. O compositor já havia trabalhado com Miyazaki em Laputa, Totoro, Kiki e Porco Rosso e parece atingir sua performance máxima em Princesa Mononoke, levando o espectador a sentir uma experiência de imersão nas cenas como poucas obras cinematográficas conseguem fazer.

Uma das mais caras produções da história do cinema japonês – os números divulgados apontam gastos de mais de 20 milhões de doláres – o anime foi ovacionado e aclamado pelo público e pela crítica de todo planeta, conquistando merecidamente, diversos prêmios, além da maior bilheteria da história do Japão (mais de 150 milhões de arrecadação). Este posto foi perdido apenas para o blockbuster Titanic, de James Cameron, um tempo depois. De qualquer forma, não é exagero afirmar que o anime se tornou uma das maiores produções desse gênero da história.

Tudo em Princesa Mononoke é grandioso, mas tanto tempo de produção quase fez com que o trabalho fosse… Engavetado! A opção pela produção “artesanal” do longa por parte de Miyazaki estava esgotando os limites da paciência de muitos investidores e dos funcionário do estúdio. Diante desse cenário, a decisão do produtor Toshio Suzuki de fazer uso de computação gráfica para apressar a finalização do filme foi fundamental para seu lançamento. Relutante e esgotado, Miyazaki (que dizem ser bem ranzinza =P) acabou aceitando o uso com “sutileza” de alguns efeitos de computação gráfica de forma que eles não chamassem mais atenção que a história em si.

O cansativo processo de pós-produção fez com que o diretor anunciasse na época que esse seria seu último trabalho. Adoentado devido ao estresse na produção do longa, o autor em uma entrevista comentou que a decisão de sua aposentadoria havia sido precipitada – ainda mais quando a existência de sua companhia estava vinculada diretamente ao sucesso financeiro do filme, e depois da grana que o longa rendeu… Em um trecho de uma entrevista feita na época da promoção do filme A Viagem de Chihiro, Miyzaki revelou (e justificou) por que não se aposentou:

“Eu havia me convencido até mesmo que a minha carreira havia terminado e lancei toda a minha energia nesta última batalha, aumentando minhas expectativas e as demandas de meus colaboradores. Eles já estavam debaixo de uma pressão enorme e isto exauriu o pessoal do Ghibli. Muitos tiveram colapsos nervosos. Eles estavam muito ressentidos. Eu ainda era convalescente e sentindo o peso de anos de trabalho. Felizmente, todos estes sacrifícios não foram em vão. Princesa Mononoke alcançou um sucesso que foi além de nossas maiores esperanças”.

Apesar de ser um desenho animado, o filme não é necessariamente adequado ao público infantil. Há bastante violência visual e uma visão geral pessimista do autor diante das questões levantadas. O folclore japonês e suas lendas também são explorados e muitas passagens ecoam um simbolismo que rende boas discussões filosóficas. Curiosamente, o principio criativo de Miyazaki foi o mesmo conto no qual a Disney se baseou para realizar o desenho d’A Bela e a Fera no começo dos anos 90, e depois de ver o resultado (e sucesso) do que foi feito pelos americanos, Miyazaki começou a aperfeiçoar seu conto – que originalmente era chamado de “A Viagem de Ashitaka”.

Os cenários fantásticos (uma marca típica de qualquer produção de Miyazaki) e a riqueza de detalhes da “fauna” do filme transpiram vida (dá vontade de entrar no anime x_x) e a localização do tempo no qual se desenrola – o período Muromachi, entre 1333 e 1568 –  possibilita uma liberdade criativa única. O desenvolvimento dos personagens principais é feito sem pressa (o que faz com que muitas pessoas achem o filme demasiadamente devagar) e as camadas que os compõem são apresentadas de forma natural em meio aos conflitos. Existe um “herói”, mas a figura propriamente dita de “vilão” não pode ser identificada.

A personagem Lady Eboshi, por exemplo, é de longe a mais complexa e rica dentre todos os que o autor já concebeu. Sua força e determinação para defender seu lar  se contrapõe às decisões que toma e que levam aos momentos mais trágicos da história. Mas diante das circunstâncias e do peso que carrega, suas ações não assumem uma faceta de erro. Quem nunca se viu diante de decisões que não gostaria de tomar, mas que são as mais adequadas  em dado momento?

Um pouco da história.
Em um vilarejo pacato incrustado no meio de uma floresta que guarda muitos mistérios para o homem, o jovem príncipe Ashitaka é vítima de uma maldição ao defender seu lar de uma criatura coberta de coisas que parecem ser larvas. Após derrotá-lo e tomar conhecimento que a criatura era o deus Javali da floresta,  a velha sábia do vilarejo aponta a direção que o jovem precisa tomar para tentar encontrar uma cura de sua maldição e  salvar sua vida. Ele então parte em uma jornada acompanhado apenas de seu fiel antílope Yakul, seguindo tradições. Rumo ao desconhecido, o rapaz precisa encontrar aquilo que causou o mal do deus Javali e evitar que a misteriosa marca em seu braço cresça e o mate. O príncipe acaba se dando conta que a maldição lhe confere uma força sobre humana, pois ao disparar suas flechas, elas são capazes de dilacerar a carne do adversário com facilidade.

Em sua jornada rumo ao reino do deus da floresta, Ashitaka acaba por ajudar dois boiadeiros que estavam moribundos após despencar de um penhasco. Os homens são servos de Lady Eboshi e ao optar por uma trilha em meio a floresta, o rapaz se vê envolto de pequenos espíritos (os kodamas) que não lhe assustam nem um pouco – em contraste ao pânico que causa a um dos boiadeiros. Após um rápido encontro com uma menina e três grandes lobos brancos, Ashitaka se depara com uma espécie de cervo que faz com que seu braço marcado pela maldição reaja com intensidade.

Após cruzar a floresta, o rapaz chega até a cidade de ferro de Lady Eboshi e é recepcionado pelos moradores locais (na sua maioria, camponeses, boiadeiros e ex-prostitutas) e pela sua matriarca. Ficamos sabendo um pouco sobre os habitantes da cidade e como o deus Javali que atacou Ashitaka foi morto por Lady Eboshi. A mulher mostra seus “segredos” para o jovem – uma fábrica de armas feitas por leprosos que foram acolhidos pela severa e ambiciosa mulher – e conta que quer dominar o mundo, passando por cima até mesmo do imperador do Japão. Para isso, ela planeja destruir toda floresta e expandir seu pequeno império minerador.

Ashitaka observa a tudo e se encontra novamente com a “princesa loba”, que ataca a cidade para matar Eboshi, e assim acabar com a destruição inconsequente da floresta e a matança dos seres que nela vivem. Em um confronto direto com a dama de ferro, a “princesa loba” quase é morta, mas mostrando-se mais imortal que qualquer personagem de Naruto (rsrsrs) ela parte pra cima de Eboshi e tem um confronto equilibrado até que a luta é interrompida por Ashitaka. O rapaz nocauteia as duas e, ao sair da cidade com San (a tal princesa) desacordada em suas costas, é ferido à bala por uma mulher que perdeu seu marido em um dos muitos ataques dos lobos aos trabalhadores da cidade de ferro.

O rapaz, muito fraco, acaba sendo levado por San para o interior da floresta onde é salvo pela manifestação do Espírito da Floresta sob a forma de notívago. A espreita dele, homens corruptos a mando do imperador com a missão de arrancar a cabeça do espírito que, segundo lendas, dá vida eterna a quem beber do seu sangue.

Ashitaka desperta e San surge para ajudá-lo. A partir dessa experiência, ele se envolve em uma série de eventos onde deuses lendários, animais e humanos se chocarão diretamente, cada um defendendo sua ideologia. Qual será o destino da cidade de ferro de Lady Eboshi? Os animais conseguirão defender sua floresta sem cantar musiquinhas animadas como nos filmes da Disney (=P)? E por que o Espírito da Floresta com sua expressão de paz inabalável parece representar a morte? Assista e tire suas conclusões. Se não conseguir chegar a nenhuma, assista novamente!

Princesa Mononoke no Ocidente
Mononoke Hime foi a obra que fez com que Miyazaki se tornasse mundialmente conhecido. Não que ninguém (com exceção dos brasileiros talvez =P) nunca tivesse ouvido falar do tiozinho, já que Nausicaä do Vale do Vento já havia causado um burburinho nos anos 1980, mas nada que se compare com o que ocorreu a partir de Mononoke. Nos EUA, a Disney adquiriu os direitos de exibição quando este ainda estava em produção em idos de 1996. No mesmo “pacote”, a empresa ainda obteve vários filmes do Ghibli  – inclusive O Serviço de Entregas de Kiki, que passou no Brasil via Disney Channel.

Existiu a ideia inicial de lançar o filme em circuito comercial em todo ocidente com o cuidado para que fosse bem aceito. Para atingir esse objetivo, vários atores famosos foram escalados para a dublagem – algo similar ao que fazem com os desenhos Disney por aqui ultimamente, mesmo existindo dezenas de dubladores mais competentes – e o roteiro foi reescrito por Neil Gaiman, autor do cult Sandman.

A necessidade de reescrever o roteiro parte da filosofia americana que o público ocidental não tem capacidade de assimilar a cultura oriental com facilidade – obrigando vários animes a serem “enxutos” quando esses apresentam muitas referências a folclores, lendas, religiões, costumes ou tradições japonesas.

Os planos entusiastas fizeram com que várias dublagens fossem encomendadas (inclusive em português brasileiro) mas a  alta cúpula da Disney não viu com bons olhos o excesso de violência do anime e, talvez tentando preservar o sucesso do longa que levaria aos cinemas em 1999 (o fraco Tarzan), a empresa optou por realizar a distribuição do longa em um selo menor – a Miramax. Por conta disso, o filme teve seu sucesso um tanto abafado, tendo sido apresentadas em poucas salas e não ganhando a repercussão (comercial) que merecia. Só pra vocês terem ideia, o filme estreou em pouco mais de 20 cidades a partir de 29 de outubro de 1999.

Curiosamente, o contrato entre a Disney e o Ghibli impedia que os americanos cortassem qualquer parte do filme, já que Miyzaki havia ficado fulo da vida nos anos 1980 quando descobriu que a distribuidora New World Pictures havia metido a tesoura em 25 minutos de Nausicaä (chamado na época de Warriors of Wind – Guerreiros do Vento) alegando que os cortes foram em cenas “sem nada de interessante”. Dessa forma, os gringos não podiam editar cenas de Mononoke para que a censura liberasse o filme para classificação livre. Até o pôster original acabou sendo alterado pois a San aparecia com a boca suja de sangue. Tentando apresentar o filme com ecos hollywoodianos, criaram uma incoerente chamada nos cartazes:  “O Destino da Humanidade Depende da Coragem de um Guerreiro” .

Foi justamente a classificação indicativa  que levou nos EUA (inadequado para menores de 13 anos ou PG13) que fez com a Buena Vista (que representava a Miramax no Brasil na época) tratasse de boicotar o filme sob a desculpa de ser violento demais para nossas crianças. E assim, a excepcional dublagem encomendada para a Audio News (de Yu Yu Hakusho e Ultraman Tiga) foi para o limbo, já que o braço brasileiro da Disney não via com bons olhos sequer o lançamento do filme (junto com todos os outros que podia lançar do Ghibli) no mercado de home vídeo.

Mas qual não foi a surpresa de alguns brasileiros otakus moradores do Nihon ao adquirirem o DVD triplo do filme lançado no Japão e conferir que uma das opções de áudio era o nosso português brasileiríssimo? Graças a esse lançamento, tivemos acesso a esse áudio e hoje já é possível assistir a essa joia dubladinha até no YouTube!

Sobre a versão brasileira, a nata da dublagem carioca na época participou emprestando suas vozes e promovendo um trabalho do nível de Yu Yu Hakusho. Peterson Adriano (o Koenma) dublou Ashitaka, Fernanda Krispin (a Keiko) fez a San enquanto a veterena Vera Miranda (a Teela do He-Man) deu vida para Lady Eboshi. Participaram ainda Sílvia Salusti, Pietro Mario, Neli Amaral (a primeira voz da Mestra Genkai em um de seus últimos trabalhos antes de falecer) como Mora e Márcio Seixas. Até mesmo o tema principal do filme ganhou uma bela versão brasileira com uma letra muito profunda.

Em 2010, o canal MAX – parte da família HBO – apresentou o longa pela primeira vez na TV brasileira com áudio original em japonês e legendas. O canal, por sinal, é líder em apresentar longas metragem de anime e tokusatsu inéditos no mercado brasileiro.

Pra terminar, dizem as más linguas que o roteiro do oscarizado Avatar (de James Cameron) bebeu um pouco da ideia de Miyazaki proposta em Princesa Mononoke. Você consegue encontrar semelhanças em ambas as histórias?

Como em outros trabalhos, Miyazaki realiza situações que tentem despertar não só um aspecto de conscientização evidente (o eterno conflito do homem contra a natureza), mas também um resgate a tradições para se atingir um equilíbrio que o homem se distancia cada vez mais diante dos subterfúgios materiais do mundo moderno e consumista.

É como se o passado nos mostrasse respostas para questões do presente que podem edificar um futuro menos agressivo, mas nos recusássemos a aceitar que o caminho é esse, por termos mais conhecimento e tecnologia a disposição.