Olá. Esta é a primeira edição da Coluna do Daileon em sua nova fase. Você conhece esse espaço por trazer notícias e textos especiais aqui no site JBox. As novidades do universo tokusatsu já estão sendo publicadas por aqui diariamente. A partir de hoje, a Coluna será quinzenal, com artigos especiais sobre esse gênero famoso formado por monstros de borracha, heróis que sangram faísca, maquetes prontas para serem destruídas e coisas do tipo. Opinião, curiosidades e memória serão as principais características dessa nova etapa. E nada melhor do que iniciá-la falando sobre a volta do homem mutante para a TV. Henshin!
A Band vai exibir, a partir do dia 30 de agosto, a série Kamen Rider Black. Clássico exibido pela extinta Rede Manchete, o Homem Mutante tem a grande responsabilidade de substituir Jaspion na faixa dominical das 11h50 da manhã, logo após Changeman (10h30) e Jiraiya (11h10).
Black estreou no Brasil pela extinta Rede Manchete em 22 de abril de 1991, junto com Maskman e Spielvan. Curiosamente, este último era a principal aposta da distribuidora Everest Vídeo, que acabou rebatizando-o como “Jaspion 2“. Mas quem vingou mesmo foi o motoqueiro mascarado, que inicialmente era exibido às 18h30, fechando as exibições diárias da Sessão Super-Heróis.
Certamente, a atmosfera sombria da série chamou a atenção da garotada. Era um diferencial para a época, pois se tratava de um novo começo da franquia criada pelo saudoso mangaká Shotaro Ishinomori. Kamen Rider Black (também rebatizado por aqui como Black Kamen Rider e Black Man) foi o primeiro herói da franquia a passar por aqui.
Após um período de jejum de séries tokusatsu, a Manchete havia colocado Black novamente na programação a partir de 27 de dezembro de 1993, das 18h30 às 19h. Mais precisamente após o Clube da Criança (com Cybercop na última meia hora) e antes das reprises do sitcom brasileiro Tamanho Família (1985~86).
A última exibição da saga de Issamu Minami na Manchete se deu em 15 de julho de 1994. Na ocasião, era exibido às 16h30, antes do Clube da Criança (17h) e de Cybercop (18h50). Faltavam dois dias para a grande final da Copa do Mundo nos EUA, onde o Brasil venceu a Itália nos pênaltis, por 3 a 2, conquistando o tetracampeonato. Era o fim de um ciclo e outro já começava com Winspector, a partir do day after do mundial.
Com mais de 26 anos longe da TV brasileira, Kamen Rider Black se tornou um cult e, de longe, é uma das séries mais aclamadas pelos saudosistas da Manchete. Sem dúvida, não vai estrear como um tapa-buraco qualquer. A promessa é das reprises vingarem na emissora do Morumbi, que deve exibir até o último episódio, inédito no Brasil e com uma recém-dublagem feita pelo estúdio Centauro. Se a volta do herói é glamourosa, o final tem tudo para ser épico. A espera vai valer a pena!
A GRANDE ESTREIA DOS ANOS 1980
Como diria Silvio Santos: quem não viu, vai ver. E quem viu, vai ver de novo. Kamen Rider Black começou como um “ponto zero” da franquia. Ou seja, originalmente ele não teria ligação com os 10 Kamen Riders que lhe antecederam. Seria uma trama à parte e usando alguns elementos das séries anteriores como referência.
Saía o produtor Tohru Hirayama (1929~2013) e entrava Susumu Yoshikawa (1935~2020), que foi responsável pelas séries Metal Hero dos anos 1980, como Jaspion, Jiraiya e Jiban. O então novo produtor queria reformular a franquia. Ele fez mudanças drásticas, a começar pela decisão de não chamar ninguém das antigas equipes de produção que trabalharam em Kamen Rider. Embora não fosse intencional, alguns acabaram retornando para trabalhar.
Assim como nas séries anteriores, Black também seria um humano reconstruído e baseado num ganhoto e ainda pilotaria uma moto. Um dos poucos conceitos originais que foram mantidos. Nos bastidores, havia a possibilidade de descartar esse fato, mas isso não aconteceu (ainda bem).
E as mudanças foram mais além. Os dublês seriam todos da Japan Action Club (atual Japan Action Enterprise) e não mais da empresa Oono Kenyukai. Substituindo o compositor Shunsuke Kikuchi (o mesmo de Dragon Ball e Bicrossers), Eiji Kawamura assumiu a trilha sonora, dando aquele toque mais dramático, se aproximando do estilo dos Metal Heroes. Ryudo Uzaki, renomado compositor que trabalhou para grandes cantores da música japonesa, também produziu algumas faixas. Já o cantor do tema de abertura (que leva o nome da série) foi nada menos que o próprio astro principal Tetsuo Kurata, que tinha apenas 19 anos.
Essas diferenças ultrapassaram aquele aspecto de séries involuntariamente cômicas. Pra se ter uma ideia, os vilões não eram caricatos como outrora e seus planos para dominar a humanidade eram mais inteligentes. Por isso, o Império Gorgom tinha mesmo todo um jeitão de seita satânica ou algo do tipo. Pode-se afirmar que o trio de sacerdotes Danker (Darom), Baraom e Pérola (Bishium) era digno de filme de terror.
Além disso, havia um nome de peso para tocar a série com mais intensidade. Shozo Uehara (1937~2020), roteirista principal de séries como O Regresso de Ultraman, Spider-Man, Gavan e Jaspion, assinou os primeiros episódios.
Uehara sofreu muita pressão nos bastidores, pois já estava cansado de trabalhar com as séries Metal Hero. Ele tinha uma outra ideia para o primeiro episódio. Segundo ele e o produtor Yoshikawa, o episódio inicial representaria os conflitos mentais de Issamu (Kohtaro) Minami e tudo seria contado pelo seu ponto de vista, detalhando tudo o que haveria acontecido num ambiente de “terra arrasada”. Para Uehara, o jovem demoraria alguns episódios para se transformar em Kamen Rider. Pois, na sua concepção, esse herói não poderia existir num mundo normal. Por ser reconstruído pelos Gorgom, o Rider teria dentro de si elementos do bem e do mal. Daí a razão de seu conflito existencial, mas no fim ele resgataria sua esperança. Talvez esse conceito tenha servido de inspiração para o tema de encerramento “Long Long Ago 20th Century“, cantado por Norio Sakai. Os excecutivos da Toei chegaram a aprovar o roteiro. Mas como nem tudo são flores, eles alegaram depois que não havia orçamento suficiente. Consequentemente, o roteiro teve que ser refeito.
Isso era a ponta do iceberg para as dissidências nos bastidores. Yoshikawa havia se tornado chefe de produção e já não tinha a liberdade criativa de antes. Ele tinha que administrar as finanças da Toei. Ishinomori exigia que a trama fosse mais tenebrosa, pois era seu antigo sonho. É que o mangaká havia apresentado várias ideias do tipo que nunca foram aprovadas. Incomodado com essas interferências, Uehara decidiu sair do projeto. Ele tinha um estilo de escrever o primeiro episódio com vista para o final – traçando princípio, meio e fim. Acabou escrevendo somente os roteiros dos episódios de 1 ao 4, o 12 e do primeiro filme da série (este último foi a pedido de Yoshikawa). Só voltaria a trabalhar novamente na franquia em 1994, com o filme Kamen Rider J (aquele em que o herói se torna gigante).
Apesar dos pesares, o primeiro episódio de Kamen Rider Black (dirigido por Yoshiaki Kobayashi e exibido na manhã de 4 de outubro de 1987 pela emissora local TBS) se tornou um dos trabalhos mais primorosos de Uehara. De longe, esse foi O (com letra maiúscula) melhor episódio de lançamento de uma série tokusatsu da década de 1980. Não apenas da década, mas de todos os tempos, no que se refere ao gênero tokusatsu. O conjunto de situações que envolviam a perseguição dos sacerdotes contra Issamu Minami, a origem de sua mutação para ser um candidato ao título de Imperador Secular dos Gorgom foi sem igual.
Se o clássico tem todo aquele espectro sinistro, que o diferenciava de outras séries Kamen Rider e até mesmo das produções oitentistas, foi graças ao Uehara, que foi a pedra fundamental de tudo o que veio depois, apesar dos rumos não terem sido como ele planejou no começo. E você pode comparar com qualquer série tokusatsu dos anos 1980. Não tem estreia de Jaspion, nem de Sharivan, Cybercop, Flashman, Maskman e tantos outros que conseguiram repetir algo do mesmo nível e qualidade de Black. Um verdadeiro clássico!
A Metamorfose (BLACK!! Henshin), o primeiro episódio, que você vai (re)ver na TV, foi um pontapé extremamente importante para a reta final, que envolve seu irmão adotivo, Nobuhiko Akizuki, que está predestinado a ser seu rival. Vale a pena assistir tudo outra vez, seja com a família ou interagindo com outros fãs nas redes sociais.
Kamen Rider Black não é apenas mais uma série de tokusatsu qualquer e que fez sucesso no Brasil. Foi uma das produções mais importantes da Toei e que teremos o privilégio de rever com experiência única – com remasterização em HD.
PS: Em 6 de julho passado, participei desta live no canal Resistência Tokusatsu, falando sobre a origem e o sucesso deste grande clássico.
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