Entrevista publicada originalmente em 27 de dezembro de 2022.
A convite da assessoria da Crunchyroll, o JBox teve a oportunidade de entrevistar dois nomes do elenco brasileiro de Chainsaw Man: os dubladores Erick Bougleux, a voz de Denji, e Luísa Viotti, voz da Makima. O animê atualmente está em exibição legendada e dublada pelo serviço de streaming.
A entrevista ocorreu virtualmente no dia 12 de dezembro, com a editora-chefe Laura “gasseruto” representando o site, e foi gravada pela equipe da Crunchyroll em vídeo e, posteriormente, transcrita. O vídeo foi editado e pode ser conferido a seguir, mas quem preferir pode seguir com a versão escrita mais abaixo:
Na transcrição, os maneirismos e modos de falar dos dubladores foram mantidos dentro do possível, mas por vezes foram retirados para manter uma melhor fluidez no texto escrito. Os maneirismos foram num geral retirados dos textos das perguntas, também por motivos de fluidez. Sem mais delongas, confira a seguir.
JBox: Vamos começar com a pergunta que não tem como não ser feita: antes de vir para cá oficialmente, como mangá ou animê, Chainsaw Man teve uma tradução não-oficial que, para o bem ou para o mal, acabou muito conhecida entre os fãs. Isso impacta na dublagem de alguma forma?
Erick: Não, acredito que não. Eu sei que tem uma coisa muito famosa especificamente dessa tradução. Não vou entrar em detalhes, mas a gente sabe do que a gente está falando. Essa coisa, não sei, não sou o diretor de dublagem, Léo Santhos seria a melhor pessoa para responder isso daí, mesmo assim isso seria mais para o futuro… né, que ainda não chegou, tu-dun-ts, mas, não, não influencia não, até porque a gente tá se baseando muito na na tradução original, na tradução de verdade tanto da legenda né, da Crunchyroll, tanto do que a gente recebe do animê quanto o material de mangá, que a gente consegue ler tanto em inglês quanto em português. Então, a gente sabe que existe mas a tradução tá toda sendo trabalhada em cima do material original, tudo em cima do material base da obra de fato.
Quais são os desafios de uma dublagem simultânea em comparação ao modelo mais comum, dublar todos os episódios de uma vez?
Luísa: Eu acho que o comparativo né, porque quem é fã acaba que muitas vezes assiste `ss duas versões, então já tem uma ideia pré-concebida de como vai vir a dublagem, de como vai ser, de como vai ficar o episódio, e eu acho que isso dá uma pressãozinha na gente de “espero que fique à altura”, “espero que corresponda à altura ou fique melhor”.
E: É, e como agenda também tem a questão de desafio, porque, assim, a gente grava… quando a gente gravava mais episódios, esperavam chegar mais episódios, a gente gravava uma semana aqui, aí passavam duas ou três semanas e gravava mais um bloco, que é como normalmente funciona na dublagem. Com o simuldub, a gente grava literalmente toda semana, então não há espaço para imprevistos. Se você vai viajar, a gente dá um jeitinho grava de longe, monta um estúdio (risos)… então tem esse desafio da agenda principalmente, porque…
L: Quando ficar doente, avisa.
E: Exato, você tem um elenco recheado, né, normalmente nos animes, e você tem que trabalhar com aquele elenco semanalmente porque você tem aquela entrega semanal. Então toda semana tem que estar todo mundo ali disponível, é uma… é muita parceria, tanto do diretor quanto dos dubladores, porque todo mundo tem que estar conversando, tem que estar se organizando, tem que se prever na agenda. Por exemplo, eu e a Luísa, nós temos um dia certo de gravar o Chainsaw Man, que toda semana a gente recebe. “Ó, esse dia aqui da semana a gente deixa pelo menos duas horas vagas ali pra gente poder gravar porque a gente não sabe se ele vai entrar muito, se vai entrar pouco, sempre depende.
A preparação para dublar em modelo simultâneo é muito diferente?
E: Não, é muito parecida. O que muda são as levas de episódio mesmo, se a gente grava de três em três, ou de quatro em quatro, ou de um em um. A preparação em si, para mim até bom, porque poupa mais a voz né (risos), porque eu, particularmente, grito muito na forma de Chainsaw e eu faço a voz mais rasgada quando ele tá transformado, então pra garganta assim, um episódio só, é maravilhoso.
Luísa, a Makima é uma personagem que precisa passar uma certa autoridade, sensualidade, e também um pouco de estranheza, e a forma como a Tomori Kusunoki faz isso na versão original é bem intrínseca à cultura japonesa. Como é adaptar isso tudo numa versão brasileira?
L: Engraçado, é, para mim é… vai natural, eu não penso muito em como funciona o processo, eu faço de coração. Tem aquela história na profissão, que se fala: “conheça todas as regras, leia todos os livros, mas na hora que você for fazer teu trabalho, seja só um coração falando para outro coração”, mas agora pensando, eu gosto da construção porque tem essa estranheza de, você, ao mesmo tempo que seduz, você tem todo um background de… porque eu já sei o que vai acontecer, já sei o que acontece, então em todas as falas eu já tenho em mente: “essa mulher é uma mulher determinada, ela tem o objetivo dela e ela nunca tira o olho do objetivo dela”, e quando eu faço as falas eu tô com olho no mesmo objetivo, isso é interessante.
Erick, apesar de ambos serem personagens “tarados” por natureza, Denji de Chainsaw Man e o Kazuma de Konosuba têm bastante diferenças entre eles. Como é interpretar esse tipo de conteúdo por pontos de vista tão distintos?
E: Sim sim, eles são muito parecidos em algumas partes, e muito diferentes em outras né, principalmente vivência de…. vivência, literalmente a história de vida né, mas são personagens que eu tenho muita facilidade de fazer, personagem degenerado (risos) é muito bom de fazer, eu gosto, dessa coisa mais solta de comédia que vai grita, e é porra louca.
Mas tem a diferença básica que, o Kazuma, quando ele chega, né, quando ele renasce no isekai, ele já é aquele otaku que tem, ele viveu aquilo de videogame, ele acha que manja para caramba daquilo, ele já é “1-7-1” [nota: “aproveitador”, essa gíria vem do artigo 171 do Código Penal Brasileiro, que define o crime de estelionato], ele desde o começo já sabe o que ele quer fazer ele já puxa a Aqua de cara porque ele, ele não vale nada. Então, assim, ele já tem uma história mais solta ele já chega um cara que não vale nada, digamos, ele já chega malandro.
O Denji, ele é um cara que sofreu a vida inteira, ele foi negado de tudo desde criança, então ele não teve afeto, a mãe dele morreu muito cedo, o pai era envolvido com a yakuza, ele era explorado pela yakuza desde muito cedo, então ele não teve amor familiar, ele não teve dinheiro, ele não teve acesso à nada, então ele é um cara que… tem muita diferença, inclusive, na dublagem do primeiro episódio para o resto porque no primeiro episódio é esse Denji, que a gente conhece, que é do começo ele é um cara que você não vê, que ele não faz piada, ele não é soltão, então ele é um cara triste, ele só tem Pochita ali com ele entendeu, é o único amor que ele recebeu a vida inteira, ele é preso numa dívida que ele nunca vai pagar, ele só perde órgãos ali, vendendo, para tentar quitar essa dívida, que ele sabe que não tem futuro, ele sabe que ele vai morrer em algum momento, então é uma coisa muito desesperançosa e, o Denji, ele só começa a ficar mais solto a partir do episódio 2, que é quando ele ganha uma perspectiva, que é quando ele ganha tudo aquilo que ele quis, e ele fala que “bom, vou lutar com ‘motosserras e dentes’ para manter isso daqui, não importa se não vale nada, não importa se… eu não quero saber se [é] escritório do que, eu quero é ter o meu objetivo, eu quero a Makima, eu quero fazer isso, eu quero fazer aquilo, eu quero comer bem, eu quero ter torrada, eu quero viver o luxo” porque é uma coisa que ele nunca teve, e ele tem todo o direito de ser egoísta nesse sentido.
Então acho que é uma malandragem diferente, uma é de um cara que é “malandro de casa”, sabe? Malandro de, ele se acha conhecedor para caramba porque Konosunba é muito a estrutura do RPG né, o isekai, e o Denji um malandro que é uma malandragem de rua, é uma malandragem que não é não é tanto a do Kazuma, é uma coisa daquele cara que não teve nada e que agora que tá ali, ele vai lutar com aquilo, ele não vai deixar ninguém passar por cima dele, entendeu? Então no episódio 2, o Aki já chega querendo crescer para cima dele, “tu vai desistir, essa vida não é para você” e ele “nem à porrada, meu filho, isso daqui, eu não tenho muito para conquistar”, entendeu? Então são níveis diferentes, que num olhar geral, são dois personagens que se dariam muito bem se se encontrassem, mas eles são muito diferentes de história. Então isso que cria uma base muito diferente para os dois.
Com que tipo de demônio vocês fariam um pacto?
E: Ah, esse aí eu já tenho até a resposta, eu faria pacto com o demônio do chocolate. Porque assim, ninguém tem medo de chocolate, a não ser os que são intolerantes à lactose, talvez. Mas assim, ele não seria um demônio muito forte então não teria muito poder, mas se eu tivesse um botãozinho aqui tipo a cordinha Denji que eu puxasse e saísse uma barra de chocolate na minha mão, maravilha! Estoque eterno de chocolate para mim, já seria o suficiente. Então assim, demônio do chocolate é o meu pacto, tamo junto (risos).
L: Nossa, é… Vai ser vai ser meio filosófico demais, eu faria com demônio do sucesso, embora seja alguma coisa que muita gente quer, é uma coisa com muita gente teme, e eu acho que, curiosamente, mais pessoas temem o sucesso do que almejam. Acho que por isso que tão poucas pessoas são bem sucedidas, porque quando você tá quase chegando, o teu medo te segura. E quando eu falo sucesso, eu falo sucesso na vida, sucesso das nossas relações, muita gente sabota a relação quando tá, tipo, “ah começou a dar muito certo”, pá, o medo te mata. E eu acho que esse é um demônio que, se bobear, ia ser mais poderoso do rolê, assim.
J: Ó, é verdade, é verdade.
E: Isso é muito no personagem né, porque a Luísa foi lá na frente, no objetivo lá na frente, cheio de plano e eu só queria comer que nem Denji, tipo… ah não, só queria comer um chocolate todo dia, sabe? (risos).
J: Ela já deixou aí uma ideia pro Fujimoto, aí.
O aspecto mais cinematográfico do animê acabou dominando a discussão entre os fãs. Do ponto de vista da dublagem, a interpretação em Chainsaw Man é mais próxima de um shounen padrão ou de um filme do Tarantino?
E: Eu acho que é o meio do caminho, porque shounen padrão não é, porque a gente sabe que Chainsaw Man inclusive se destacou muito por fugir um pouco do padrão de shounen, sabe? O Denji não é um protagonista de shounen comum, e nenhum dos vilões são e nem a estrutura da história [é], mas, Tarantino também não, mas eu acho que é o meio termo que talvez precise, sabe? Que é uma coisa que a gente não tem muito nos animes, e o Fujimoto a gente sabe que é um cara que é apaixonado por filmes, né, a abertura de Chainsaw Man é cheia de referência, então acho que ele consegue um equilíbrio em várias obras dele, inclusive, nos oneshots que ele, faz que é maravilhoso, é o que a gente precisa. Você não precisa ser um Tarantino, mas você também não precisa ser um shounen comum, então ele conseguiu achar… nivelar e chegar no meio termo que eu acho maravilhoso, eu acho perfeito, acho uma coisa única.
L: Cara, genial. É, nunca tinha pensado nisso. Concordo, acho que é um passo mais para o Tarantino do que seria [comum], mas não é full Tarantino, porque também, se não, seria outra coisa, acho que nem faria o sucesso que faz porque ele vem de uma de uma história, de um histórico, que ele tem que abraçar. Eu acho que é isso, a gente faz no meio termo, mas eu diria que eu faço me divertindo como se fosse um Tarantino.
J: Só o Erick que fica sofrendo gritando, né?
E: É, a Luísa? Aqui ó, tudo aqui (risos). E eu to lá “AAAAAH”.
J: Ela fica só no papinho, você fica gritando.
E: E eu to lá “AAH”, a garrafinha de água de um lado pro outro glup glup glup, “AAAAH’ (risos).
L: Tranquila. Se ele quisesse marcar a dublagem para 3h da manhã, eu diria que seria o horário ideal, entre 3h e 5h da manhã.
E: Ah, entre 3h e 5h da manhã se eu gravar de casa bate a polícia aqui. Imediatamente (risos).
Para vocês, o futuro é…?
E: O futuro é… o futuro é… PIZZA. Vai ser o meu jantar essa noite, o futuro é pizza.
L: Ah, Eric, qual é? Qual é cara?
E: Pizza é bom. Eu gosto.
L: Pizza é bom? Pois para mim o futuro é PICA. Ah (risos).