Entrevista publicada originalmente em 11 de março de 2020.


Com “décadas de atraso”, o clássico Mazinger Z estreou no Brasil na semana passada pela Netflix e ainda estamos meio perplexos com o acontecimento. Depois de conversar um pouco com o dublador Lucas Gama, a voz do Koji na série, fomos atrás de mais detalhes da versão brasileira com o seu tradutor.

O trabalho por trás da adaptação desse clássico para o nosso idioma ficou a cargo de Marcelo Del Greco, supervisor de conteúdo da Editora JBC. Marcelo conhece os estúdios de dublagem desde meados dos anos 1990, quando entrevistava as vozes dos Cavaleiros do Zodíaco para a revista Herói. No papel de tradutor, foi responsável pela redublagem dos Cavaleiros e várias outras séries, como Fullmetal AlchemistRanma 1/2 e, mais recentemente, Dragon Ball Super.

Nesse papo, Marcelo conta um pouco de como foi adaptar a linguagem de um animê dos anos 1970, lidando com as características sociais da época, dentre outras curiosidades do processo. Confira a seguir.

 

Para começar, poderia explicar um pouco de como funciona o processo de tradução de um animê? Como você recebeu o material de Mazinger Z e como ele foi repassado ao estúdio?

Marcelo Del Greco

Del Greco: Eu trabalho com uma equipe que faz a tradução inicial. Depois disso, faço toda a edição, adaptação e localização. É bem parecido com o processo dos mangás. Geralmente eu peço para o estúdio mandar tudo em japonês para nos mantermos o mais próximo do original – principalmente para produções inéditas. Mas nem sempre é possível. Às vezes vem tudo em japonês, outras vêm o script ou só áudio e muitas vêm tudo em inglês, por exemplo. No caso do Mazinger Z, veio tudo em japonês.

 

Como e quando se deu o convite para a tradução? Não levou um susto quando soube que era Mazinger Z?

Del Greco: O convite foi feito pelo Ricardo Telles, Manager da BKS. Isso já deve fazer uns 3 anos. [Nota do JBox: segundo o dublador Lucas Gama, a dublagem ocorreu em 2016] Uns 2 anos antes, um outro estúdio havia me procurado para trabalhar na série do Mazinger Z, mas não foi adiante. Então, não foi um susto tão grande assim para mim. Foi mais uma grande alegria de poder trabalhar com um clássico dessa importância.

 

Existiu alguma imposição quanto à alguma pronúncia? O Mazinger foi chamado de “Mazinga” na dublagem, por exemplo, de quem partiu essa ideia?

Del Greco: Eu sempre indico as pronúncias para evitar qualquer dúvida e os diretores de cada série geralmente me ligam para tirar dúvidas. No caso específico do Mazinger, as escolhas, como falar Mazinga, mais próximo de como é falado em japonês, foram do estúdio. Particularmente, achei uma grande homenagem ao material original.

 

Se recorda de alguma peculiaridade específica da adaptação?

Del Greco: O maior problema eram os valores da época. O tratamento, principalmente com a mulheres, era muito agressivo e isso estava no texto. Eu não posso alterar, mas tentei amenizar um pouco. Outra preocupação minha foi a linguagem. Como é uma série de quase 50 anos (ela é de 1972), tentei evitar um linguajar muito atual, evitei ao máximo gírias de hoje em dia. Busquei aproximar de dublagens clássicas como a primeira de Speed Racer, de A Princesa e o CavaleiroFantomas… Enfim, busquei aquele português falado nos anos 1970, mas que não causasse tanta estranheza hoje em dia. Claro que, quando a série entra em estúdio, isso pode ter sido mudado. Mas enquanto eu trabalhava nessa tradução, era isso que eu tinha em mente.

 

As referências das séries japonesas que você assistiu quando criança tiveram alguma influência na hora da tradução?

Del Greco: Com certeza. Usei toda a bagagem que eu tinha na memória de quando eu assistia Speed Racer no programa do Capitão Aza (com “z” mesmo).

Mazinger Z | (c) 1972 Go Nagai, Toei Animation

 

Por algum motivo, as músicas cantadas em japonês aparecem somente com o instrumental no áudio dublado da Netflix. Chegou a vir algum pedido de tradução dessas músicas?

Del Greco: As músicas foram todas traduzidas assim como os créditos de abertura. Mas não sei porque não foram gravadas.

 

Alguma escolha de dublador partiu de você ou ficou tudo a cargo da direção?

Del Greco: Desta vez não. Quando eu pensei em indicar alguém, já tinham feito os testes e escolhido as vozes. Mas na minha cabeça o Koji, especificamente, tinha a voz do Orlando Viggiani, pra dar aquele ar nostálgico – pelo menos consegui que o Ultraman Ace ficasse com a voz dele. Mas eu gostei muito do elenco de vozes escolhido.

 

Como alguém que está nesse mercado há tanto tempo, tentando tirar um pouco o olhar de fã, acha que o animê poderia ter rendido algum destaque no Brasil se fosse exibido décadas atrás na TV?

Del Greco: Acredito que sim. A história é legal e em sua época era uma grande novidade ter o herói pilotando o robô. Antes, como em Robô Gigante ou em Tetsujin 28-go (Homem de Aço, no Brasil, e Gigantor, nos EUA) eram controlados à distância. Também tinham os humanoides, como UltramanVingadores do Espaço e Spectreman que eram autônomos. Go Nagai, autor de Mazinger Z, quebrou esse paradigma e deu início à Era dos Robôs Pilotados. Fora isso, Mazinger daria – como deu no Japão – uma bela linha de brinquedos. Dificilmente não seria sucesso aqui nos anos 1970.

 

Qual a sua visão da importância da estreia de uma série com Mazinger Z por aqui em pleno 2020?

Del Greco: Mazinger Z é histórico. Para quem gosta de animês e mangás é uma grande oportunidade de conferir uma das animações de maior sucesso já feitas e entender melhor como foi a evolução desse gênero. É uma das séries mais importantes da Toei Animation e uma das obras mais famosas do Go Nagai, um dos grandes nomes dos mangás da história.