Entrevista publicada originalmente em 24 de fevereiro de 2024 como texto, e no dia 20 de fevereiro de 2024 como vídeo. A gravação ocorreu em dezembro de 2023.
O lançamento da série live-action de Yu Yu Hakusho pela Netflix, em 14 de dezembro do ano passado, mexeu duplamente com a nostalgia do fã brasileiro. Primeiro por rever seus personagens queridos reencarnados, depois por ouví-los com as mesmas vozes que deram vida ao animê por aqui em 1997.
Para comentar um pouco sobre o processo da adaptação brasileira, tanto da animação quanto da versão com atores, conversamos com o veterano dublador Marco Ribeiro — a voz do protagonista, Yusuke Urameshi, em todas as versões, e também diretor da 1ª dublagem do animê (e da 2ª também).
O papo foi lançado primeiramente em vídeo na última terça (20), em nosso canal no YouTube, mas você pode conferir abaixo tanto o vídeo quanto uma edição em texto. Para o texto, fizemos algumas adaptações para melhor fluidez da leitura.
Marco, quando você teve o primeiro contato com Yu Yu Hakusho, você já vinha de uma carreira de mais ou menos uns dez anos de dublagem e alguns personagens marcantes, como o Raphael, das Tartarugas Ninja. Além de estar dando início ao seu próprio estúdio, a Áudio News. Conta pra gente como estava o seu momento profissional naquele período em que se deu a produção da primeira dublagem do Yu Yu.
Marco: Perfeito! Muito bom estar aqui com vocês, um grande abraço pra galera. É, realmente ali a gente estava começando mais ou menos a Áudio News, foi nos primórdios, quando eu tive a oportunidade de ir até São Paulo e oferecer o trabalho de dublagem. Eu já vinha desde 1993 trabalhando por conta própria, pegando alguns filmes, alugando estúdios. Até que em 1996, surgiu a possibilidade da Áudio News como uma empresa estabelecida.
E aí o Yu Yu Hakusho foi, além de outras coisas, um dos primeiros trabalhos grandes que nós fizemos. E foi um desafio no sentido de chegar para o cliente¹, dizer que a gente tem qualidade, a gente consegue fazer. Foi um dos primeiros animes, se não me engano, o primeiro a ser dublado no Rio, porque na época a Manchete estava bombando e a maioria dos animes era dublado em São Paulo².
Então foi realmente um divisor de águas ali. O Yu Yu sendo dublado no Rio de Janeiro por uma empresa nova. Eu fiz um desafio com o cliente: vou dublar um episódio. Se você não gostar a gente não conversa mais. E é claro que eu tinha absoluta certeza de nossa qualidade, porque eu não ia pagar um episódio inteiro para achar que o cliente não fosse gostar depois. Ele achou que eu era maluco ou que tinha muita competência. Ele não ia perder nada. Falou “tudo bem, dubla e a gente vê”.
E aí depois vieram os testes também. A gente fez os testes, e com uma força muito grande também do Eduardo Miranda³, da TV Manchete, que foi o cara responsável por trazer também Yu Yu Hakusho e outros sucessos (um abraço, Eduardo Miranda!). A gente sempre se encontra em eventos, a gente sempre se fala ainda. Então foi um começo muito especial e eu tinha ali mais ou menos uns dez anos de carreira já.
¹ O cliente era a distribuidora Tikara Filmes, do empresário Toshihiko Egashira, o mesmo responsável por trazer ao Brasil as séries Jaspion e Changeman no fim dos anos 1980.
² Já havia animações japonesas dubladas no Rio desde os anos 1960. Porém, naquele recorte de séries que vieram após o sucesso dos Cavaleiros do Zodíaco, Yu Yu Hakusho foi o primeiro título para TV com dublagem carioca.
³ Eduardo Miranda foi chefe da divisão de cinema da Manchete, responsável por comandar as séries que iam ao ar na emissora.
Você lembra como é que foi a recepção dos fãs que surgiram com a estreia de Yu Yu Hakusho? Como é que foi a galera vendo essa “dublagem diferenciada”?
M: Olha, foi algo bem interessante, porque não existia internet ainda, a internet estava engatinhando. Então a gente começou a receber cartas lá na Áudio News, das pessoas dizendo “olha,
a gente está gostando muito do desenho”. E algumas cartas eram repassadas para nós também. E presentinhos também. A gente começou a dizer “caramba, tá fazendo sucesso”, porque a gente não tinha esse termômetro também da internet ou redes sociais para saber, né?
Então esse começo, esse primeiro contato, foi dessa forma, a gente recebendo cartinhas ali e vendo que as pessoas estavam gostando. E a gente fez um trabalho realmente dentro do que o anime pedia. O Yusuke sempre foi um debochado, então eu fui dentro daquele deboche dele, na direção também. Eu procurei colocar alguma coisa leve, porque a série em grande parte era comédia, né? Então a gente quis aliviar também algumas coisas, tinha umas partes muito pesadas e a gente deu uma aliviada também, trazendo mais pro lado da comédia.
E eu acho que funcionou. Começou a funcionar, a galera gostou e foi realmente um “marco”, sem trocadilho, na dublagem de animes. Ou com trocadilho, vamos dizer (risos).
Foi um sucesso tremendo! Essa foi a primeira vez que você teve contato com fãs por alguma obra sua de dublagem?
M: Eu acho que sim. Foi um dos primeiros contatos mais fortes. Antes, por causa do Tartarugas Ninja e de outras coisas que a gente tinha feito também, tinha esse pequeno contato com alguém que conhecia, mas depois disso o contato foi maior.
E foi aí, a partir de 1997, 1998, que eu comecei a fazer eventos, né? E graças a Deus não parei até hoje. Continuo aí conhecendo o Brasil de norte a sul, fazendo esses eventos. Por causa de tantos outros personagens marcantes que eu faço, e também o Yusuke, por causa do Yu Yu Hakusho.
Poxa, que legal! Você comentou agora que, às vezes, deu uma “aliviada” em algumas partes do animê. De quem partiu essa ideia de dar, talvez, uma “cara nossa” para o Yu Yu?
M: Foi uma ideia meio em conjunto. A coisa foi surgindo na dublagem, porque a gente às vezes não planeja fazer as coisas, elas vão meio de improviso. A gente consultou o Eduardo Miranda, “pode botar isso, pode botar aquilo, pode brincar com as gírias” e tal… Ele “não, fica à vontade, pode fazer”. E o cliente também concordou, e a gente foi colocando umas coisas assim como “para o bonde que Isabel caiu”, umas coisas que não tinham nada a ver… “Rapadura é doce, mas não é mole não”, que tinha a ver com a cena.
Porque eu costumo dizer que não existe uma fórmula mágica. As pessoas às vezes querem pegar a fórmula de Yu Yu Hakusho e colocar em outros animes ou em outros desenhos. Isso não é uma receita de bolo, né? Porque tem que ser muito bem dosado, tem que ter um bom senso. Tinha brincadeiras que eu mesmo parei, “não, não… volta, regrava, passou do ponto”. Nada de palavrão, nada assim, mas passou do ponto que não tinha a ver, entende?
E nos vozerios também a gente brincava. Hoje eu estava recordando do estádio, que o pessoal gritava a favor do Toguro. E na época tinha um canto da torcida do Flamengo, que era “ah, eu tô maluco”, que era em cima de um funk. E aí a torcida do Flamengo cantava “eu tô maluco” e aí eu… “vou botar”! “Eu sou Toguro”, e o pessoal tava no ritmo, então deu certinho. A gente ia testando os limites e, graças a Deus, não voltou nada, não me lembro de nenhum conserto que a gente fez, e nem da gente ter passado do ponto. E foi uma coisa muito orgânica, como se diz hoje em dia.
Isso que você citou, do “eu sou Toguro”, continua até hoje nos shows, quando toca alguma música do Yu Yu o pessoal grita “eu sou Toguro, eu sou Toguro”…
M: A origem é aí, num grito da torcida do Flamengo, que era baseado num funk do Rio de Janeiro, que era “ah, eu tô maluco”. E aí a torcida começou a cantar esse refrão. Depois eu botei “ah, eu sou Toguro”.
E você acha que, se a série chegasse dubladinha, do jeito que foi, nos dias de hoje, o público aceitaria da mesma forma?
M: Eu acho que o público aceitaria… Pelas nossas gírias, pelas nossas brincadeiras sim. Pelo desenho em si, eu acho que não, porque tem algumas coisas meio “anos 1990” no desenho, que hoje em dia não seria “politicamente correto” (risos).
Mas pela nossa dublagem em si, eu acho que não teria problema porque está sempre atual. Pessoal conhece o Popó até hoje, o nosso grande lutador. “Eu não tenho samba no pé, mas eu bato que nem Popó”, uma coisa assim que a gente brincava⁴. Quem não conhece o Popó já ouviu falar, pesquisa e sabe quem foi.
⁴ Essa citação ocorreu na segunda dublagem da série.
E saindo rapidinho do Yu Yu, teve dois outros animês que você dublou pela Áudio News e talvez você não se recorde. Temos um trechinho aqui de cada um, e a gente queria mostrar pra você.
Aqui mostramos um trecho de O Último Combate, 1º OVA baseado no mangá Grappler Baki (que ficou mais conhecido mundialmente recentemente pela série animada exibida na Netflix). Esse especial do Knack Productions de 1994 foi lançado por volta de 1996 no Brasil, em uma fita VHS distribuída pela Lloyds Filmes.
M: De onde vocês tiraram isso? Se eu não tivesse vendo, eu não acreditaria. Não me lembrava de que eu fiz isso, que foi dublado na Áudio News. Aí eu vi a minha abertura e me vi dublando ali… falei “sou eu!”. Não lembro absolutamente nada disso. Quem era a distribuidora?
J: Lloyds Filmes, era especializada em filmes de luta.
M: Lloyds Filmes? Meu Deus do céu… E em que ano foi isso? Porque deve ter vindo na esteira do Yu Yu, talvez…
J: Por volta de 1996, 97…
M: É, mais ou menos na época do Yu Yu. Cara, obrigado, obrigado por refrescar a minha memória. Porque eu me assustei agora, sou eu dublando, sou eu fazendo abertura, Áudio News… Caramba… Eu não me lembrava de absolutamente, voz novinha… (risos)
J: Como ele foi distribuído só por VHS, então talvez não tenha tido tanta repercussão, né. A gente tem um outro aqui.
M: Vamos ver.
Aqui mostramos um trecho de Babel II, OVA de 1992 baseado no mangá homônimo de Mitsuteru Yokoyama (sendo a segunda animação da obra, já que houve uma série de TV nos anos 1970). Apenas o começo desse OVA (2 episódios condensados) foi lançado dublado no Brasil, distribuído em VHS e replicado em DVD pela Mundial Filmes. Essa mesma produção foi exibida com dublagem em inglês e legendas pelo Multishow a partir de 1997. Uma série mais nova, de 2001, foi exibida pelo Animax.
M: Também não me lembro. Isaac Bardavid fazendo ali o vilão. Eu trabalhei muito com o Bardavid, dirigi muito ele.
J: Esse segundo trechinho que a gente viu foi de um animê chamado Babel II.
M: Agora eu lembro mais ou menos. Esse Babel eu lembro, mais ou menos, talvez seja Mundial Filmes. Você sabe o ano dele?
J: Foi Mundial Filmes sim, no final dos anos 1990, o ano exato a gente não sabe.
M: A gente fez muita coisa para a Mundial Filmes. Essa distribuidora foi uma das primeiras que a gente (Áudio News) trabalhou. Naquele tempo o VHS era muito forte e a Mundial Filmes tinha uma linha “adulto”, que não era era pornô, chamava “adulto” porque eram filmes de ação. Tinha essa linha adulta, uma linha “teen”, que eram esses animês, coisa desse tipo, e uma linha “kids”. Então a gente dublou muitas coisas pra eles, pra crianças, para adolescentes e filmes de ação que iam, inclusive, para a TV Globo.
A Mundial Filmes na época era uma uma grande distribuidora, não sei se existe ainda, mas era uma grande distribuidora de filmes. Esse foi um outro cliente que eu fiz um desafio: se você não gostar, não precisa pagar. “Tá, toma aí o filme, dubla para mim.” E quando eu botei todas as vozes de um desenho que ele estava lançando, chamado BraveStarr, que era da Globo e ele estava lançando em VHS… ia botar outras vozes. Eu falei “aí vai complicar, é sucesso na TV Globo esse desenho. Se o senhor colocar outras vozes”… “Você consegue as vozes?” “Consigo todas as vozes”, “eu não acredito.”
E aí eu dublei o primeiro episódio todo, com Márcio Seixas, o Feier Mota, Carmen Sheila, todo o elenco original da série. Então, quando ele assistiu, ele ficou doido, né. Falou “então vamos trabalhar”. Daí a gente passou a trabalhar em muita coisa juntos. Toda a produção deles a gente fazia.
J: Que maneiro. Eu tenho uma curiosidade sobre o Babel II, porque quem fez o design dos personagens foi o Shingo Araki, que é nada mais nada menos do que a pessoa que fez o design de Os Cavaleiros do Zodíaco (animê). Se você quiser depois brincar com o Hermes [Baroli, dublador do Seiya], você dublou na verdade um “Seiya”, só que era o Yusuke no corpo do Seiya. Depois pode botar isso no seu currículo.
M: Ah, que bom, que bom. Então já fica aí para minha memória tentar lembrar disso. Que eu já dublei um “Seiya” (risos).
Antes dos animês, teve ainda um outro herói japonês, que é o Gavan, ou Space Cop, que você começou a fazer a partir do episódio quatro. A gente vai mostrar só um trechinho.
Exibimos alguns trechos dublados da série Space Cop/Gavan.
M: Ah, esse aí eu lembro! E eu encontrei com esse ator [Kenji Ohba] numa feira em São Paulo [CCXP, em 2017]. A gente tirou foto juntos.
Cara, isso aí foi o seguinte, o Orlando Prado, que fazia antes [os 3 primeiros episódios, exibidos na Globo e lançados em VHS], eu não me lembro se tinha falecido ou estava doente… ou por alguma questão de embate com a empresa ele não dublou. Eu realmente não me lembro qual dessas situações foi.
Eu sei que eu entrei substituindo o Orlando Prado, fiz teste e tal. E quem dirigia, se não me engano, era o Waldyr Sant’anna, lá na VTI. Esse eu me lembro bem, o pessoal fala… E eu tirei uma foto com esse ator aí.
Quando o Yu Yu veio novamente para o Brasil, houve uma nova dublagem e isso gerou aquele alvoroço, de que talvez fosse dublado em São Paulo, todo com outro elenco. Comenta-se até que a decisão de levar novamente a Áudio News ocorreu no último momento. Você se recorda dessa negociação? Como é que foi buscar manter o mesmo elenco ainda disponível?
M: Eu não me lembro exatamente, mas deve ter tido alguma coisa nesse sentido, porque era um anime caro de se fazer, porque entra muita gente e a gente já tinha tido a experiência, né? Quando foi redublado, porque foi pro Cartoon Network, que não tinha os direitos da dublagem, e aí precisou ser dublado… Eu realmente não me lembro dessa negociação.
Foi um estúdio do México⁵, e inclusive a gente teve alguns problemas com ele, problemas bastante sérios. E a gente só conseguiu resolver esses problemas porque o desenho estava no ar, aí a gente teve como negociar. Inclusive esse estúdio tem fama de ter problemas sérios com empresas de dublagem, infelizmente.
O pessoal fala muito da redublagem… só que 100% do elenco principal foi o mesmo. Ou, vamos dizer, 99,9% porque a Nelly Amaral havia falecido e foi substituída pela Selma Lopes brilhantemente. Todas as duas maravilhosas, né?
Eu não me lembro se a gente fez teste ou se eu fui direto na Selma. Porque eu acho que a Selma havia substituído a Nelly em alguma coisa ou outra⁶, e eu não me lembro se em Yu Yu também em algum episódio, porque a Nelly já estava um pouco adoentada, e não podia dublar. Acabou sendo talvez uma escolha natural, uma atriz de grande porte também, uma dubladora excelente.
Outro dia eu falei com ela, pedi um vídeo a ela que daqui a pouco a gente vai lançar também, e nos falamos ao telefone. Foi bem legal ela brincando comigo, “ô, Yusuke!”. A Selminha é gente muito boa, e com 90 e poucos anos continua na ativa, lúcida, perfeita, dublando loucamente. Tanto que fez a Genkai agora [para a série live-action].
⁵ Aparentemente, Marco se refere aqui à empresa Cloverway, distribuidora da série nos anos 2000.
⁶ Nelly Amaral também dublou Marge Simpson, na série Os Simpsons, personagem mais conhecido na voz de Selma Lopes.
E também houve a dublagem do filme Yu Yu Hakusho: Invasores do Inferno nessa época, que infelizmente teve uma exibição muito discreta aqui pelo Cartoon Network. Você lembra desse processo do filme?
M: Do filme eu me lembro também que a gente dublou, um longa metragem, né? Foi mais ou menos nessa época também, e que realmente não fez muito sucesso. Poderiam até aproveitar o momento agora para relançar no Cartoon Network ou em algum outro streaming. Ou a própria Netflix, não sei se tem os direitos ou não, relançar a série toda, porque com certeza ia ser um grande sucesso e ia corroborar a questão de outra geração gostando do Yu Yu.
Porque hoje eu vou nos eventos, tem os pais que dizem “ó, meu filho já começou a assistir.” Então é uma nova geração de fãs e aficionados no Yu Yu Hakusho, assim como acontece com Star Wars e outras franquias do gênero.
E agora vamos falar do que está acontecendo atualmente, já que depois de quase 20 anos da segunda dublagem [que estreou em 2004], a gente volta a ter Yu Yu Hakusho. E como é que foi o sentimento de reencontrar velhos amigos, dessa vez em um outro formato?
M: Foi interessante porque há um ano, mais ou menos, isso vem sendo badalado, de que ia surgir um live-action, e já começaram a me perguntar se eu ia fazer ou não. Eu gravei algumas coisas no YouTube falando sobre isso. Coloquei a imagem que tinha saído do garoto e fiz uma coisa em cima daquela imagem para ver se rolava ou não, e brinquei com o pessoal: “olha, toda a equipe está à disposição para a dublagem. Agora depende do cliente querer isto ou não.”
Até que a coisa avançou, e um belo dia eu fui chamado pelo Felipe Drummond lá na MGE [estúdio de dublagem]. “Marquinho, vem fazer um negócio aqui, preciso de uma meia hora com você”. E eu não sabia o que era. Quando eu cheguei lá, ele disse “é o Yu Yu”! Falei “caramba, que legal! E a gente vai dublar?”. “Não, a gente vai fazer teste.”
E aí foi feito um teste para ver a adequação de voz das pessoas. 20 e poucos anos depois, como é que seria isso? Porque o cliente, com toda a razão, estava um pouco receoso disso. Como é que as vozes iam se encaixar naqueles garotos? E aí foi feito um teste, o cliente viu e conversou daqui, ponderou daqui e acabou aprovando, o que, na minha opinião, foi uma atitude mais do que acertada. Não por mim, não pelo elenco, porque se troca a dublagem realmente ia ser um choque muito grande com os fãs, porque foi algo que marcou bastante.
Eles se deram conta disso, perceberam isso, tiveram essa grande sensibilidade. A Netflix está de parabéns por isso. Respeitou os fãs sobretudo, e viu que a gente podia fazer. A gente mostrou, graças a Deus que eles são atores em dublagem.
Na minha modesta opinião, tá um trabalho muito, de todos. Com muito carinho, muita dedicação, todo mundo empenhado em fazer o melhor ali. Da direção à tradução, que foi atrás das gírias, foi atrás dos textos, que correu atrás de tudo, das adaptações… Que colocou as pessoas até nos pequenos papéis, se estão dublando ainda, vão colocar naquele “homem dois”, “homem três”. O mesmo personagem, o mesmo dublador. E aquelas pessoas que por acaso entraram na dublagem anterior, e que os seus papéis não apareceram no live-action, o diretor chamou para fazer pontinhas como forma de homenagear. Eu achei muito legal.
O Felipe Drummond e o Alexandre Drummond, um grande abraço para eles, esse grande legado da família Drummond, vindo lá do nosso Orlando Drummond. Felipe, Alexandre e Dudu Drummond, os nossos queridos irmãos, que são maravilhosos.
J: E eu percebi isso que você falou, porque até os capangas do Kuwabara, lá no primeiro episódio, são iguais⁷.
M: Você vê que é algo bem sutil, algo que passa batido e que na época eu escalei o Luiz Sérgio… eu me lembro dos capangas, e eles foram exatamente em cima e tiveram esse cuidado, me consultaram em alguma coisa ou outra. Por que eu dirigi a série [em animação] toda, né.
Foi bem legal mesmo esse respeito que toda a produção, do cliente da Netflix, até a direção de dublagem, tudo, o respeito que houve pelos fãs. E até na produção, porque eu acho que o live-action
é um fanservice, na verdade.
⁷ Luiz Sérgio Vieira (que esteve nas duas dublagens do animê), Philippe Maia e Duda Espinoza (últimas vozes na segunda dublagem) retornaram para os amigos do Kuwabara na série.
E como é que está sendo a repercussão da dublagem pra você?
M: Olha, vou dizer pra você que unanimidade nunca é alcançada por ninguém. E a gente costuma dizer que nem Jesus conseguiu agradar a todos. Mas eu acho que tem muita gente gostando, 99,5%. Eu vi um comentário de alguém que disse “ah, eu detestei a dublagem.” Cada um tem o seu gosto, tem a sua forma e a sua liberdade de se expressar, né?
Uns amaram a série, outros disseram que não estava tão fiel. Sempre vai haver essa divergência, mas a grande maioria, graças a Deus, tá elogiando muito a série e principalmente a dublagem. Essa questão de ao ouvir as vozes remete a uma nostalgia. Viaja no tempo de adolescência, de criança, onde assistia Yu Yu Hakusho.
J: Às vezes até ouvindo a própria dublagem, meio que fecha um pouco os olhos pra algum defeito da série, da produção, e a dublagem cobre isso e leva, né?
M: E a produção, na minha opinião, foi muito bem feita. Os efeitos, eles não pouparam. Você vê que houve todo um cuidado. É claro que não se pode agradar [a todos]. Temos coisas ali que poderiam ser melhores, mas eu acho que acertaram mais uma vez num live-action, assim como foi o sucesso de One Piece. Foi uma grande tacada da Netflix,
J: E que tenha uma segunda temporada, se bobear com as músicas, imagina?
M: Eu acredito que sim. As pessoas falaram muito das músicas. O YUYU20⁸… se tivesse ali, aquela abertura em live-action parecida ou coisa do tipo, aí ia arrebentar. Com a abertura em vídeo, com a música, só faltaria a narração do grande Pietro Mario dizendo ali “Yu Yu Hakusho”, “anteriormente, em Yu Yu Hakusho”. Grande Pietro Mario, que faleceu…
J: Fica a dica para quem quiser fazer uma montagem disso tudo.
M: Ah, vai ficar legal! Já pensou? Fazem tantas montagens legais na internet, podiam fazer aquela costura. Já tem gente pegando as frases do Yu Yu Hakusho, do live-action… Falas do Yusuke, algumas coisas que a gente conseguiu colocar ali. Porque a série é um pouco mais sombria, mas a gente conseguiu brincar alguma coisa e já fizeram um compilado de frases do Yusuke, baseado no live-action.
J: Eu acho, Marco, que o importante é que a “essência” do Yu Yu tá ali.
M: E é a Botan, é o Koenma, é o Kurama… o Hiei, o Kuwabara, que mudou ali. O Luiz Barbeito [dublador original do Kuwabara] faleceu, mas o Marcelo Garcia veio em grande estilo. É um excelente dublador e deixou o recado em cima daquele personagem tão icônico que é o Kuwabara.
⁸ Grupo formado pelos músicos brasileiros que fizeram a trilha de Yu Yu Hakusho na 1ª dublagem. Seguem compondo, gravando discos e se apresentando em eventos.
Sobre o Marcelo Garcia. Talvez seja mais coisa do Felipe Drummond, mas você sabe dizer como é que foi feita essa escolha?
M: Houve teste de voz com o Marcelo e mais dois dubladores que eu não me lembro exatamente quem foram. E talvez se eu me lembrasse, eu não poderia dizer porque aí já é uma coisa que, né… Mas foi o Marcelo e mais dois dubladores, como geralmente é feito.
São feitos os testes, três dubladores para cada voz e o diretor dá suas impressões. O cliente também opina, principalmente, e aí se chega a um consenso.
E como é que foi para você? Teve algum processo diferente? Porque antes você dublava o Yusuke em animação, agora você estava vendo ele em carne e osso ali, né? Teve algum processo diferente ou você só ligou a chavinha do Yusuke… e vambora?
M: É, a gente teve muitas recomendações da Netflix depois de aprovadas as vozes originais. Nós fomos seguindo essas recomendações. Em questão de tom, questão de não pesar a voz, é claro, porque se trata de um garoto. E eu acho, ouvindo, porque eu já ouvi de forma crítica, eu acho que passou bem. Eu tenho 53 anos, então a voz… tem gente que a voz não envelhece, é o caso da Miriam Ficher [dubladora da Botan], do meu caso, do Christiano Torreão [dublador do Hiei], do Duda Ribeiro [dublador do Kurama]. A gente consegue ainda.
Eu consigo, depois de 20 e poucos anos, fazer ainda o Woody [Toy Story], “tem uma cobra na minha bota”. Yu Yu Hakusho, o Yusuke que vai nessa praia… O Máskara, que eu era mais novo, hoje ele está um pouco mais arranhado, talvez, mas a gente consegue fazer.
As recomendações foram essas, questão de tom e tal. E a gente conseguiu negociar algumas piadas, algumas coisas mais modernas, para dar aquele tempero, aquele molho. Isso conseguiu ser feito sim, com toda a atenção à série original que os diretores deram.
A gente falou um pouco do YUYU20, e eu queria saber como é que é a relação de vocês agora, porque eu sei que você fez algumas participações nos shows.
M: Eles são super legais, né? Galera é muito legal. A gente teve a oportunidade de ficar em hotel junto, compartilhando um jantar, o café da manhã, e trocando essas ideias. Ir pro evento junto, voltar e estar ali no camarim, estar lá no evento, e depois e ser convidado… “vem cá, entra aqui com a gente”.
E eles admiram muito nosso trabalho, são fãs e eu também sou fã deles, né? Depois desse tempo todo que a gente veio a se conhecer, nós não nos conhecíamos, e foi uma relação muito boa. A gente tem essa simbiose, e projetos juntos, pro futuro, caminhando. Somar e multiplicar talentos, vamos dizer assim.
Uma pena, realmente, que não entrou a trilha original [na série live-action]. Não sei nem se houve negociação. Acredito que não. Não sei se isso foi pensado, se ele têm a dimensão do sucesso que a abertura cantada em português também faz no Brasil e colaborou também para o grande sucesso do Yu Yu. Abertura e encerramentos.
J: Sim, sim. A gente sabe que no no primeiro episódio tem um trechinho de fundo, que toca ali a versão em japonês.
M: Eu tive a oportunidade de conhecer também a cantora e compositora num evento que nós fizemos.
J: A Matsuko [Mawatari].
M: Uma senhora muito, muito simpática, muito afável. Foi uma oportunidade boa.
Aproveitando, Marco. Quando é assim, a música, por exemplo, veio lá dos fundinhos naquele “easter egg”… Parte de quem a opção de por essa música aqui em português ou deixar no original?
M: Isso envolve muita negociação, porque tem direito autoral. Em determinados países você pode usar, em outros não… é uma negociação mais complexa. Eu não sei nem se eles pensaram nisso.
Agora… seria legal. Ter ali o portuguesinho colocado, ia ser muito legal. Quem sabe no futuro isso não venha a rolar, né? As pessoas às vezes me dizem “Marco, deveria ter tido assim, aquilo ali…”. Como se a gente tivesse esse poder. Nós não temos. Eu dirigia a série nos anos 1990, não dirigi agora o live-action. Dublei o Yusuke, mas a gente não tem esse poder de persuasão.
Qual o significado/importância/peso que o personagem Urameshi teve para o desenvolvimento do profissional e da pessoa que o Marco é hoje?
M: Interessante essa pergunta. Eu acho que na questão de se soltar mais. A gente já vinha de uma escola muito boa. Quando eu peguei o Yusuke eu já tinha ali uma estrada na dublagem, uma história. E essa história só foi se ampliando.
E ao pegar personagens assim, trazer a naturalidade… O Yusuke foi um grande exercício também de naturalidade, você pode ver. A coisa bem natural, como a gente fala no dia a dia, “ah, para com isso, não enche a paciência, fala sério” e tal.
Então essa naturalidade, é a forma que o adolescente fala. Eu acho que isso o Yu Yu ajudou muito também, nesse crescimento e na e na busca de trilhar esse caminho da naturalidade.
Marco, a gente agradece muito a sua disponibilidade! Obrigado por passar esse tempinho com a gente.
M: Estamos aí! Nossos canais no YouTube, @MarcoRibeiroOficial, no nosso Instagram @Marcodub, e no Facebook, no Twitter… É só botar Marco Ribeiro lá, @marcoribeiroDUB que a gente acha.
Obrigado, gente do JBox! Vida longa ao Yu Yu Hakusho! Não conheci o outro mundo por querer! LEIGAN!
Reportagem: Rafael Jiback e Luis Afonso | Transcrição e edição: Rafael Jiback