Entrevista publicada originalmente em 1º de maio de 2006, em reportagem de Fábio Soares (Cloud).


Na nossa entrevista do mês, batemos um papo com Mário Lúcio de Freitas. Por nome talvez você não o conheça, mas com certeza alguma das canções por ele compostas ficaram martelando na sua cabeça por anos. São dele a autoria de temas clássicos como Chaves, Punky, Rei Arthur, Fly, Cavaleiros do Zodíaco e muitos outros que embalaram a infância de muita gente.

Além de compositor, Mário ainda foi o fundador da lendária Gota Mágica, o estúdio que despertou o interesse dos fãs de animação pela dublagem. Na conversa a seguir, ele abre o jogo e fala sobre o repentino fechamento da Gota Mágica, além de dar sua visão sobre o atual mercado de dublagem no Brasil. Caso queira saber mais sobre o moço (que além de compor e dirigir dublagem, também é publicitário, ator, apresentador… Ou seja, um homem multimídia… Hehe…), basta acessar o seu site oficial: www.marioluciodefreitas.com.br. O mais legal é que no site você poderá conhecer (ou matar saudade) de vários temas que marcaram época.

 

Vamos começar falando dos temas que você compôs para diversos animes. Quando foi que começou a trabalhar na adaptação de temas pra programas de TV?

Comecei em 1981, com as novelas mexicanas do SBT, e com alguns desenhos e séries, entre eles Marco, Jem e as Hologramas, Punky, a Levada da Breca, Ursinhos Carinhosos, Chaves, Rei Arthur, Fábulas da Floresta Encantada, Luluzinha e Bolinha e Angel, a Menina das Flores.

 

Qual a maior dificuldade em se adaptar uma música de outro idioma para o português?

Seria a tradução literal, mas isso o tradutor da série faz. Aí você adapta a métrica e o sentido, para ficar com cara de música. Se não, fica como as aberturas que vemos hoje no ar. Parece um texto e não uma canção.

 

Olhando no seu site, percebemos que foi o responsável pela versão brasileira de animes que hoje são considerados “cult”, como Angel, A Menina das Flores, Rei Arthur e Luluzinha e Bolinha. Eles foram seus primeiros trabalhos na área de animação?

O primeiro foi Marco. Depois veio Jem, e aí os Ursinhos.

 

Alguns temas, como o das Guerreiras Mágicas de Rayearth, tem sua versão brasileira totalmente diferente da original. Nesses casos, os arranjos são feitos aqui, ou as músicas são feitas em cima de outras versões?

São composições totalmente inéditas, feitas em cima dos personagens. Isso foi um caminho que criamos aqui no Brasil, imitado por vários países. Acontece que as canções têm que ter formato brasileiro, para cair bem nos nossos ouvidos e também ter algum artista para divulgá-las na TV. Foi o que foi feito com Os Cavaleiros do Zodíaco, Bananas de Pijamas, Chaves, etc. Se você observar, nos Cavaleiros, os temas que eu compus e produzi são mais místicos, mais próximos dos personagens, e já os que a gravadora (Sony Music) fez, são mais voltados ao comércio mesmo, sem compromisso de estilo.

 

Já teve que refazer alguma canção a pedido do cliente?

Comigo nunca aconteceu, mas acontece freqüentemente. Quem decide se o resultado ficou bom ou não é o cliente.

 

Você também trabalhou como diretor de dublagem, correto? Nesse período, quais foram as principais séries dirigidas por você? Já atuou como dublador?

Nas séries dubladas pela Gota Mágica, fiz a direção geral (Cavaleiros, Dragon Ball, Samurai Wariors, Sailor Moon, Fly, etc.) e depois passei a dirigir no estúdio (Bananas de Pijamas, Supercampeões, National Geographic, Barney e seus Amigos no SBT, Clube do Chaves…). No Bananas de Pijamas, fiz um dos personagens, o Morgan, e no Clube do Chaves, o Godinez.

 

Você foi o fundador da Gota Mágica, que por muito tempo foi o estúdio responsável pela dublagem da maioria dos desenhos japoneses que chegaram ao Brasil no período. Mas o estúdio acabou fechando as portas. O que levou a essa situação, visto que a empresa era uma das mais solicitadas na época?

A Gota foi uma criação minha. Saí da Marshmallow exatamente por não poder inserir nela essa maneira de trabalhar. As dependências da Gota foram montadas para servir a três firmas independentes. As outras duas fecharam logo no começo e isso tornou o processo inviável para a Gota, que não agüentou.

 

Desde Os Cavaleiros do Zodíaco da Gota Mágica, os dubladores ganharam um status de “stars” entre os fãs de animação. Acha que os profissionais dessa área estão sendo finalmente valorizados, ou é apenas uma coisa restrita aos fãs de desenhos japoneses e séries em geral?

O que acontece mesmo é que a Gota Mágica valorizava seu cast, seus diretores e técnicos, abria suas portas, incentivando os fãs a se aproximarem de seus ídolos. Tratava seu elenco como se deve. Embora alguns dubladores falem mal da Gota, no fundo, isso é uma tremenda ingratidão. Demos oportunidade para vários deles iniciarem suas carreiras. Nas outras casas (salvo poucas exceções) eles são quase escravizados, tratados como burros de carga. É que a maioria dos empresários do ramo é meio cabeça de bagre. A verdade é uma só: o profissional de dublagem no Brasil nunca esteve tanto em destaque como na Gota Mágica. Pena que problemas extra empresariais tenham forçado a Gota a fechar as portas. Mas que fique bem claro que não foi por falta de trabalho nem também por falta de qualidade. Nisso a gente não economizava.

 

Comenta-se que a Gota deixou muitos profissionais, como dubladores e tradutores, “na mão”, sem ter quitado eventuais dívidas de prestação de serviços com os mesmos. Essa informação procede?

Procede. Isso ainda vou corrigir. Está em meus planos. Mas, como todos sabem, quando uma firma fecha as portas, é porque está em dificuldades. Mas não é tanto dinheiro assim. O engraçado é que tem uma outra dubladora que também fechou as portas, ficou devendo 5 vezes mais do que a Gota, o seu antigo dono abriu uma outra firma de dublagem com outro nome, e eles continuam trabalhando para esse empresário como se nada tivesse acontecido. Dois pesos e duas medidas.

 

A Gota Mágica chegou a participar da elaboração dos CDs de alguns desenhos animados por ela dublados, como Supercampeões, Guerreiras Mágicas de Rayeath e U.S. Mangá?

A gente não participou, a gente criou esses produtos. Além dos citados acima, foram criados pela Gota os CDs dos Cavaleiros do Zodíaco, Bananas de Pijamas, Historinhas da Barbie, Chaves, e vários outros. Todos eles imitados posteriormente.

 

Na nova fase da “invasão” de séries animadas no Brasil, o estúdio Parisi Vídeo começou a ser chamado de “a nova Gota Mágica” pelos fãs, devido à grande quantidade de produções japoneses lá dubladas. Só que o Sr. Parisi, dono da casa, não gostava de tal comparação, pois segundo ele, a Gota não honrava os compromissos com os profissionais que lá trabalhavam. Resultado? No ano passado tal estúdio fechou as portas deixando na mão dezenas de dubladores e profissionais, sem pagar os respectivos salários, e os programas que lá eram dublados foram parar na Centauro. Situações como essa (fechamento de casas de dublagem) vêm ocorrendo com grande freqüência nos últimos anos. Segundo seu ponto de vista, qual é o principal motivo que faz com que tais empresas acabem encerrando suas operações? A dublagem no Brasil realmente é mal remunerada?

Não é que a Gota não honrava seus compromissos. Isso ocorreu somente na fase final e não era uma constante. Mas a dublagem no Brasil é tremendamente mal remunerada, sim. O dublador ganha mal, o empresário tem uma margem de lucro extremamente pequena. Se bobear, paga pra trabalhar.

 

Os dubladores reclamam que ganham muito pouco, mas segundo outros profissionais da área, eles “choram de barriga cheia”. Eles realmente são mal remunerados, ou os estúdios de dublagem em geral não têm condições de pagar melhor?

Infelizmente, tudo é muito barato. Isso ocorre porque existe uma concorrência desleal entre as casas de dublagem. Ao invés de lutarem para aumentar o preço da dublagem, eles brigam para ver quem cobra menos, achando que desta forma pega o serviço. É uma briga rasteira. Essa nunca foi a política da Gota. Por exemplo, o Baroli ganhava mais do que a tabela do sindicato. Nunca regateei preço com ninguém. Sempre defendi a classe de dubladores. Ajudamos até a fazer uma greve contra as poderosas para aumentar a hora do dublador. Isso eles esquecem. Tanto que as grandes detestavam a Gota. Depois a Gota fazia canções cantadas por cantores e não por dubladores, que geralmente, cantam mal. Por isso nossos temas estão até hoje aí nos ouvidos dos fãs. Agora, te pergunto: qual foi o tema que eles criaram que marcou época?

 

Os fãs reclamam muito das atuais repetições de vozes, parece que é sempre a mesma “panelinha” dublando animes. Inclusive criou-se uma certa “richa” entre séries dubladas no Rio (consideradas por muitos como “tecnicamente melhores”) versus as dubladas em São Paulo. O que acha dos profissionais que atuam na área de dublagem atualmente?

A dublagem do Rio é bem melhor. Sempre foi. Mas os técnicos de gravação da Gota eram técnicos de som, acostumados com a gravação de publicidade e música. Os das outras dubladoras são sonoplastas. Também aqui existe muita politicagem e não se pensa em inovar, como fazia a Gota. Os profissionais de dublagem de São Paulo são excelentes, mas as cabecinhas dos líderes…

 

Quais foram seus últimos trabalhos na área de animação? Pretende voltar a trabalhar com dublagem?

Meus últimos trabalhos com dublagem foram para o National Geographic, portanto, para adultos. Dirigi uma série de 100 documentários. Muita gente me procurou, inclusive, para dirigir os DVDs do Chaves, mas não chegamos a um acordo financeiro. Vejam que não puderam utilizar minha música de abertura. E utilizaram dublagens sem remunerar os dubladores. Estão sendo processados.

 

O que você está fazendo ultimamente, e quais os projetos pro futuro?

Acho que a dublagem paulista atualmente é muita amadora. A Gota quando pegava um projeto, não fazia apenas colocar vozes numa série, mas cuidava de tudo: dublagem, CD, Disk 900, comerciais, licenciamento, etc. Escreve aí: muito antes do que se pensa, estarei de volta ao mercado, pagarei as dívidas que restaram com os dubladores, músicos e cantores que ainda faltam quitar, e vamos voltar a fazer trabalhos profissionais no ramo, não isso que está sendo feito hoje aí. Infelizmente, nem escolher vozes eles sabem. E isso é primário.