Texto: Rafael Jiback e Fábio Cloud
Edição: Rafael Jiback
Última atualização em 10 de junho de 2023.
Desde 1986, quando a primeira animação japonesa baseada em um jogo de videogame chegou aos cinemas, com um filme que adaptava o universo do Super Mario Bros., a indústria do entretenimento nipônico estreitou laços que seguem de nós atados ainda hoje. Os videogames se fortaleceram mundialmente em idos dos anos 1980 e a década seguinte serviu para consolidar também os seus derivados em animê, repetindo a fórmula de sucesso que já se via na TV japonesa com os mangás e os livros. Uma ótima sacada, já que na maioria dos casos, a história e os elementos que a compõem já estavam prontinhos, bastando levá-los pra telinha, telona ou home-video.
E é claro que o passar dos anos viu com que esses dois “monstros” se alimentassem um do outro. Da mesma forma que grandes sucessos dos consoles vão parar nas telas da TV, a maior parte das produções animadas de sucesso também ganha a sua versão em game. É uma espécie de círculo vicioso cada vez mais intrínseco, como a franquia .hack mostrou nos anos 2000, com uma série de animês e jogos que se complementam, sendo necessário assistir à versão animada e jogar os games para saber de toda a história e se inteirar com todos os elementos.
O que esses parágrafos de enrolação têm a ver com Fly? Tudo, é claro. Na segunda metade dos anos 1980, um tipo de jogo para consoles começou a chamar a atenção dos japoneses pela sua forma viciante de contar uma história, na qual o jogador saía do papel de simples coadjuvante (onde sua única função era apertar determinados botões na hora certa pra conduzir o personagem até o final da fase), para o papel do personagem principal, onde suas ações e escolhas determinariam o rumo da história até o tão esperado final.
O nome desse gênero de game? RPG, ou Role-Playing Game – jogo de interpretação, numa tradução literal. Ao contrário dos RPGs de mesa, onde um “mestre” conduzia a ação, no videogame cabia ao jogador, que tinha o total controle da situação, fazer suas escolhas e interagir com outros personagens como bem entendesse.
Nesse cenário de games, duas empresas se destacaram com seus RPGs: a Square, com sua série Final Fantasy, e a Enix, com Dragon Quest. Por um longo período, as duas séries brigaram páreo a páreo para ver quem conquistava a preferência do público japonês, com ligeira vantagem à franquia da Square. Isso na área dos games, pois nos mangás e na TV, Dragon Quest sempre se deu, digamos, “menos mal”.
Dragon Quest, o berço do “pequeno guerreiro”
Para entender o nascimento do “nosso” Fly, primeiro temos que voltar um pouco para o surgimento da franquia que lhe deu origem (e que está atrelada ao seu título original). O primeiro jogo de Dragon Quest chegou às lojas japonesas em maio de 1986, em um título para o console Famicom (o original japonês do que conhecemos por aqui como NES, ou mais carinhosamente “Nintendinho”). A sua criação é atribuída ao então novato da indústria Yuji Horii, mais conhecido por assinar as colunas sobre games que saíam naquela época na revista Shonen Jump – a mais famosa antologia de quadrinhos do Japão.
Mas não foi só Horii que fez o jogo ser o que ele é. Digamos que uma boa teia de contatos e um pouco de sorte convergiu bem para a história do jeito que conhecemos. Nos bastidores, outra colaboração importante foi a de Koichi Nakamura, um jovem prodígio do mercado, que já contava com experiência no design de games para a Enix (onde inclusive foi premiado) e há pouco havia fundado a sua própria desenvolvedora, a Chunsoft. Nakamura e Horii se conheceram durante um concurso da Enix, quando o criador de Dragon Quest entrevistou o futuro parceiro para a coluna da Jump. Dali, os dois trabalharam juntos ainda antes do RPG, quando Nakamura ajudou a transferir o jogo The Portopia Serial Murder Case, primeiro game de Yuji Horii e um marco do estilo visual novel, para o Famicom.
Outro grande nome envolvido e o responsável por dar “cara” a Dragon Quest é Akira Toriyama. Já conhecido pelo sucesso de Dr. Slump e surfando a onda do começo de sua maior obra, Dragon Ball, o autor de mangás criou os conceitos visuais dos personagens do jogo, o que faz até hoje nas sequências do que virou uma franquia. Toriyama estava no auge da popularidade na revista Shonen Jump e calhou de seu editor na época, Kazuhiko Torishima, ser um grande amigo de Horii. Sem saber que aquele trabalho duraria basicamente o resto de sua vida (e sem nem saber o que diabos era um RPG), o mangaká topou desenvolver os rascunhos toscos vindos do criador, dando forma aos monstros e heróis da história com seu estilo muito característico.
Apesar de ser considerado um marco na história dos RPGs, o primeiro Dragon Quest não foi aquele sucesso todo de vendas. Em uma era sem internet, o negócio fervilhou mesmo depois que a Chunsoft anunciou que uma continuação estava em desenvolvimento. Dragon Quest II prometia um universo maior e mais personagens, chamando a atenção dos jogadores e impulsionando as vendas do primeiro título. Daí, o ano de 1987 já presenciava aquela cena clássica dos aficionados por games no Japão, com longas filas de espera para comprar o novo lançamento. Apesar da boa recepção, só após a “prova final” com Dragon Quest III, que vendeu 1 milhão de cópias de seu primeiro lançamento em 1988, que as mídias dos quadrinhos e da TV olhariam com mais carinho para a franquia.
O ano de 1989 veria o nascimento do primeiro animê e do primeiro mangá baseados nos games (com mais foco no DQIII, que era o mais fresco no mercado e que inclusive tem uma história que se passa anos antes do 1º jogo). Na TV, Akira Toriyama integrou a equipe para desenvolver o visual dos personagens de uma série animada chamada simplesmente (naquele momento, anos depois ganhou um subtítulo) de Dragon Quest, com produção do Studio Comet e supervisão do próprio Yuji Horii. Já nos mangás, a oportunidade caiu nas mãos de uma dupla de novatos formada pelo roteirista Riku Sanjo e o ilustrador Koji Inada, em um espaço mais do que conveniente: a revista Shonen Jump.
Na Jump, os dois publicaram primeiramente em junho de 1989 uma historinha curta chamada de Derupa! Iruiru!, introduzindo o conceito da história do garoto Dai, que almeja ser um herói envolvido nos elementos característicos do jogo (monstros, slimes, magias, etc). Depois de 2 capítulos desse debut, veio na mesma revista uma sequência em agosto intitulada de Dai Bakuhatsu!!. Com boa receptividade, ainda em outubro do mesmo ano enfim teria início a série definitiva, sob o título de Dragon Quest: Dai no Daiboken, um grande sucesso que duraria 7 anos.
Toei, “iruiru”!
E a teia de contatos chegou ao estúdio Toei Animation (na época chamado de Toei Doga) no ano de 1991. Dragon Quest já havia lançado o seu 4º título para os videogames no ano anterior, enquanto a produtora vivia o auge do sucesso de um dos principais títulos de sua história: Dragon Ball Z, baseado no mangá de Akira Toriyama (a essa altura você provavelmente sabe disso, mas vamos fingir que não). Os pontos são fáceis de ligar: o ilustrador de DQ era criador de um dos maiores êxitos da Toei, enquanto o seu editor também tinha relevância lá dentro, pois dava pitaco no andamento do animê. Editor esse que também era amigo de Yuji Horii e deu aquele empurrãozinho pro mangá da Jump.
Com os nomes certos, bons números de popularidade do mangá e dos games, Dai no Daiboken ganhou a sua adaptação animada. Digamos que o primeiro “teste” pra ver a recepção da coisa veio com um filme média-metragem em julho daquele ano de 1991, que adaptava a primeira historinha fechada em mangá (o tal do Derupa! Iruru!) e foi jogado pra ser exibido junto com o 3º filme de Dragon Ball Z e o 2º filme de outro animê da Toei, o Magical Taluluto (totalmente desconhecido por nós aqui no Brasil, mas com sucesso relativo no Japão na época). Eram os tempos do Toei Manga Matsuri, chamado depois também de Toei Anime Fair, um festival da própria produtora que juntava filmetes de suas produções infantis do momento para serem exibidos juntos no cinema.
Tendo o patrocínio da fabricante de brinquedos Takara (a mesma que desenvolveu o conceito original dos Transformers), uma série animada foi produzida para o canal japonês TBS, estreando alguns meses depois dessa ajudinha que DBZ havia dado nos cinemas, em outubro de 1991. A transmissão de um ano estava garantida, pensava-se até em mais. Não foi o que aconteceu, mas vamos falar disso daqui a pouco.
Um pouco de mago e muito de herói
A história da série nos apresenta Fly (Dai, no original – dessa mudança a gente fala logo logo também), um garoto órfão que foi encontrado por Blass (Brass – um monstrinho que parece um cocô gigante), habitante da ilha de Dermlin (Dermline). O garotinho passa a ser criado pelo monstro como se fosse o seu neto, junto de Gome, uma criaturinha dourada com asas em forma de gota, e todos os outros amáveis e bizarros monstros desse então pacato pedaço de terra.
Para o espectador, a coisa começa quando Dermlin é visitada por um grupo de heróis impostores. Acontece que Fly é vidrado na ideia de se tornar um herói (é uma criança numa ilha sem celular, não há muitas opções, né?), apesar do seu avô insistir em vão em transformá-lo num mago. Daí quando ele acredita estar recebendo a visita de verdadeiros heróis, fica super empolgado, até o momento que tudo vai abaixo e o grupo sequestra Gome, fazendo com que Fly parta da ilha para resgatar seu amigo. Antes disso, ele ainda usa o tubo mágico (a Pokébola do mundo de Dragon Quest – apesar de que Pokémon ainda não existia) para guardar todos os seus amigos monstros e trazê-los à tona na hora do aperto. É nessa primeira aventura que o mundo passa a conhecer as habilidades de um candidato a guerreiro, ainda mais quando o rei de Lomos (Romos) o dá uma coroa de herói, só pra deixar o moleque bem convencido.
Mais tarde, o pequeno valente conhece a bela Princesa Leona, filha única do rei de Papúnica (Papnica), a qual lhe dá como lembrança uma adaga, após ser salva por ele. Depois de descobrirem que o garoto possui uma estranha marca de dragão na testa, Fly recebe a visita decisiva do lendário Avan, um corajoso guerreiro (tem que ser muito corajoso mesmo pra usar um cabelo daquele) que foi à Dermlin a mando do rei para transformar o jovem num verdadeiro herói. Avan, que foi líder do grupo que derrotou o Rei do Mal anos atrás, chega acompanhado de seu discípulo bobalhão (mas às vezes útil) Pop e não tem muito tempo para passar seus ensinamentos. Em poucos dias a ilha é tomada pela influência do primeiro vilãozão da parada, Hadler (Hadlar), o mesmo cara que o tutor de heróis já havia derrotado, mas que agora volta ainda mais poderoso com todo seu exército pra dar um propósito à história de luta do bem contra o mal.
Avan perece em sua batalha contra Hadler, passando o bastão para Fly, que viaja com Pop para tentar trazer a paz de volta. Logo no início de sua longa jornada (não tão longa… são só 46 episódios), o pequeno ganha também a companhia de Maam, outra discípula de Avan, que é capaz de usar magia graças a uma arma que o tutor fabricou exclusivamente pra ela. As coisas começam a tomar forma quando descobrimos que Hadler é um dos 6 comandantes no grupo de seres do mal, com cada um representando uma horda de monstros. Os outros são: Crocodine, o “rei das feras”; Jenky (Hyunckel), o cavaleiro que aparece lutando com Fly na abertura e é o comandante do exército dos imortais (zumbis, praticamente); Freyzard (Flazzard), comandante das chamas de gelo (e dono de um dos visuais mais legais dos vilões); Myst-Bearn (Myst-Vearn), o calado comandante das sombras; e Baran, que controla os dragões e tem certo passado ligado com Fly que a gente só descobre no “final”.
Basicamente, a trajetória que vemos no animê clássico deve seguir a batalha contra cada um dos exércitos, naquela sequência clássica de se escalar inimigos por nível até chegar ao mais forte. Mas por vezes essa sequência lógica é um pouco quebrada pra deixar a coisa mais interessante, com inimigos que deviam entrar em cena mais à frente dando uma “palhinha” antes. E claro que tem a mudança criada pelos clássicos vilões vira-casaca, que aqui são Crocodine e Jenky, que acabam passando para o lado de Fly pra ajudar na luta. Com destaque para o Crocodine, porque sempre que você acha que o lagartão vai bater as botas ele dá um jeito de voltar.
Para quem jogou Dragon Quest, vale também a diversão de comparar os elementos e personagens com os que são vistos nos jogos, com a trilha sonora também ajudando bastante a entrar nessa atmosfera. A coisa vai escalonando até chegar naquele ponto que deixou todo mundo meio fulo da vida: o final sem final. Nos últimos episódios, já com Leona no grupo dos heróis, já que Maam precisou dar uma saída pra treinar, descobrimos enfim a origem de Fly, o que representa a marca da sua testa, dando uma preparada pra toda uma saga que estava por vir e não veio. Pelo menos não em 1992.
Por que parou? Parou por quê?
Por muito tempo se especulou sobre o porquê de Fly – O Pequeno Guerreiro ter sido descontinuado tão prematuramente. Acontece que a série de 46 episódios cobriu até o comecinho do volume 10 do mangá que saía na Jump e que continuou na revista (muito bem, obrigado) até o ano de 1996, reunindo ao todo 37 volumes encadernados. Por muito tempo, inclusive, foi um dos títulos de maior representatividade de números da editora, com mais de 50 milhões de cópias vendidas. Unindo a popularidade nos quadrinhos com a da marca Dragon Quest, que seguiu vendendo milhares de cartuchos de videogame nos anos seguintes, não fazia muito sentido esse abandono na TV.
Vale mencionar que, além daquele primeiro filminho que passou antes da estreia da série, mais outros dois média-metragens com histórias independentes foram lançados pela Toei durante a exibição na televisão. Foram eles Avan no Shito (Discípulos de Avan, em tradução literal), em março de 1992, e Shinsei 6 Daishogun (algo como Os 6 Novos Comandantes), que saiu em julho daquele mesmo ano. Tudo bem que a Toei fazia filminho de qualquer série que ela tinha na época, mas se algo não tivesse indo muito bem ela provavelmente desistiria da ideia, né? E foram três filmes.
O que aconteceu foi um certo azar, segundo consta no livro Jump Comics Perfect Book Dai no Daiboken, lançado no Japão em 1995 e sem tradução pra cá. A emissora TBS do Japão (que era uma das produtoras) passou por uma reestruturação da sua grade de programação naquele segundo semestre de 1992, o que “forçou” Fly a perder o seu horário em uma possível renovação de temporada (que não houve), sendo substituído por um gameshow chamado MOVE (exibido de segunda a quinta, pegando justamente a quinta-feira que exibia o animê). Inclusive, a fabricante de brinquedos Takara, a principal investidora da série, chegou a colocar no mercado alguns brinquedos de personagens subordinados a Baran, que sequer apareceram na TV – ou seja, planos para uma continuação em acetado existiam. Sem o horário nobre fidelizado com as crianças disponível, o projeto rodou de vez e ficou somente nos mangás.
Claro que muita coisa acabou ficando em aberto (o treinamento de Maam, a identidade do Rei do Mal, a luta com os comandantes restantes, etc), mas o roteirista do mangá foi chamado pra dar uma mínima amarração pra que houvesse a sensação do desfecho de um arco. Nos quadrinhos não acontecia a virada triunfal do Fly que vimos no episódio final: ele realmente perde a sua memória, causando um problema que é solucionado nos capítulos que ficaram exclusivos pra história da Jump naquela época.
Fly, Fly, Fly…. Para o mundo e o Brasil
Dragon Quest: Dai no Daiboken era um produto meio incompleto, mas isso de forma alguma impediu que a Toei tentasse faturar um troco fora do Japão. Poucos anos depois do encerramento da série (e vamos lembrar que anos era um intervalo de tempo realmente curto naquela época) ela chegaria a países europeus, onde o nome do protagonista precisou ser alterado. Acontece que Dai sonoramente era uma palavra idêntica a die, que nada mais é que morrer, em inglês. Como não pegava lá muito bem, a solução foi chamá-lo de Fly na Espanha e na França. Já na Itália, houve ainda outra variante: lá, o garoto se chama… Tom. Pois é.
Por aqui, a vinda aconteceu a partir de um risco assumido pela empresa Alien International (que tinha entre os seus sócios Roberto Manzoni, o Magrão, que foi durante muito tempo o diretor do Domingo Legal do SBT). A Alien já existia desde o fim dos anos 1980, mas estava mais ligada com o meio de campo para licenciamento de produtos, tendo trabalhado com as séries tokusatsu trazidas pela Everest Vídeo e também com parte dos brinquedos d’Os Cavaleiros do Zodíaco. Em 1996, além de acompanhar a Samtoy com animês que foram pra Manchete (como Sailor Moon), a empresa também resolveu distribuir por conta própria três séries: Guerreiras Mágicas de Rayearth, Dragon Ball e As Aventuras de Fly (que aparentemente foi o primeiro título escolhido para a série).
Possivelmente devido à proximidade do sócio da Alien com o SBT (volta e meia umas mulheres com cosplays meio zoados das Guerreiras Mágicas “cantavam” no Domingo Legal), foi essa a emissora que resolveu exibir todas as séries – o que mostrou-se em seguida um tiro no pé. O animê estreou em 10 de junho de 1996, por volta das 10h30, no Programa Sérgio Mallandro (na época em que ele não tinha mudado de ramo pra MC de pegadinhas), e conseguiu a proeza de durar pouco mais de uma semana na grade horária (nossas fontes divergem um pouco se a segunda semana foi “completa”). Isso porque, sem muita explicação, o SBT cancelou as exibições diárias e jogou a série no Sábado Animado, onde acompanhá-la era uma verdadeira missão, já que os horários eram inconstantes. Ainda teve exibições aos domingos bem cedinho e o Sérgio Mallandro, bem… Acabou saindo da emissora pouco depois para nunca mais voltar.
Mesmo em um cenário desconfortável, o desenho teve todos os seus episódios exibidos, pelo menos em três ciclos completos. Chegou a sair do ar um tempinho e ainda teve um breve fôlego durante a febre Pokémon (que era exibido pela Record), ressurgindo juntamente com Dragon Ball no ano 2000 – que foi quando a Alien International encerrou suas atividades –, com exibições tanto no Sábado Animado quanto “solto” aos domingos de manhã (onde durou apenas 5 semanas).
Como os seus “irmãos” do pacote, a dublagem foi realizada na Gota Mágica, com direção de Gilberto Baroli (que foi o narrador da série e também passou a dublar o Hadler a partir do episódio 8), trazendo um elenco bacana, embora sempre fosse aquela lista reduzida e repetida de dubladores. Noeli Santisteban, que viria a sair do ramo da dublagem pouco depois, foi quem fez a voz do garoto – ela também faria em seguida o Goku em Dragon Ball. Sem dúvidas era um dos grandes destaques, por conseguir interpretar um menino de forma mais suave, sem tanta forçação. Destaque também para o saudoso Mário Vilela, mais lembrado como a voz do Seu Barriga em Chaves, caindo como uma luva no temperamento do vovô Blass.
Mas o que marcou mesmo como chiclete na cabeça da pirralhada foi a cantiga infantil da abertura (‘Fly, Fly, Fly… Quer a paz que o inimigo destróóóói’), que os mais crescidinhos detestavam na época (e hoje ironicamente adoram cantarolar com nostalgia). Sem nenhuma relação com a canção original (que tem um tom heroico na voz grave de Jiro Dan, o astro de O Regresso de Ultraman), o som foi uma composição de Mário Lucio Freitas, que era o dono da Gota Mágica e gostava de por a mão nos temas musicais para criar algo do seu jeito (fazia isso com animês do SBT desde os anos 1980). E como “nepotismo” era algo muito comum na dublagem daquela época, coube ao filho do cara, Rodrigo Firmo, ser a voz principal desse tema, que era repetido também no encerramento (aconteceu isso com os temas de Sailor Moon e Dragon Ball também. Economia?).
Fly também pareceu um raro caso em que o animê veio na íntegra em japonês (geralmente as séries vinham com a fita dublada em espanhol, às vezes com censuras), numa época onde ainda não haviam bons tradutores do idioma nos estúdios. Isso ajuda a limpar um pouco a barra da Gota Mágica a respeito da grande inconstância em como eram ditos termos como as magias (mantidas próximo ao original) e nomes dos personagens. Mas o maior vacilo mesmo era a constante troca de vozes em personagens secundários (o Rei do Mal chegou a trocar de voz quatro vezes ao longo da série!).
A escolha de Fly – O Pequeno Guerreiro como o título completo parece ter sido meio de última hora também. O nome As Aventuras de Fly foi passado para a imprensa numa coletiva meses antes da estreia do animê e pelo jeito não deu tempo de acertar as coisas com a Grow, empresa que colocou essa nomenclatura na cartela de bonecos que importou, que trazia a mesma identidade visual da linha que saiu na Espanha (onde foi batizado de Las Aventuras de Fly mesmo). A coleção (que não tinha as personagens femininas, pra variar) era idêntica a uma das que a Takara vendia no Japão e aparentemente foi o único produto da série por aqui (tratando-se da Grow, é bem possível que tenha tido algum quebra-cabeças perdido também).
Assim como Rayearth e Dragon Ball, Fly fez parte de um pacote de imenso potencial comercial. Infelizmente (principalmente pra Alien), a forma como o SBT lidou com os três títulos ajudou a desperdiçar muito do que eles poderiam render nas lojas, ou pelo menos atingir 10% do que foi o golpe de sorte com Os Cavaleiros do Zodíaco anteriormente.
Retorno inesperado
Dragon Quest sofreu um jejum de animações relevantes por um bom tempo. Ao longo dos anos 1990 ainda surgiram alguns OVAs baseados no mangá Slime Adventures e em 1996 um filme para o mangá Emblem of Roto (uma outra saga com longevidade nos quadrinhos). Depois disso, apenas em 2019 vimos uma nova produção, com o longa em CGi Dragon Quest: Your Story, que ganhou projeção mundial pela Netflix. Uma sementinha estava plantada e tinha mais coisa sendo produzida que jamais teríamos ideia.
Os fãs do Fly (nos desculpem, é muito difícil falar Dai quando você tá acostumado há décadas com outro nome) entraram em polvorosa mesmo quando o personagem deu as caras no jogo Jump Force, que misturava diversos personagens de obras da revista Shonen Jump. O jogo em si é um tanto questionável, mas esse movimento fez finalmente com que todos sonhassem com o que parecia impossível: o retorno do animê.
Em dezembro de 2019, durante o evento Jump Festa, foi confirmado em um teaser que a Toei Animation estava trabalhando em uma nova adaptação de Dai no Daiboken. Para um mangá de enorme sucesso, demorar quase 30 anos para voltar parece estranho, mas enfim, coisas do mundo dos negócios. O novo animê estreou em 3 de outubro de 2020 e a tecnologia da nossa era proporcionou uma estreia oficial simultânea no Brasil, onde os episódios são exibidos semanalmente legendados pela plataforma de streaming da Crunchyroll (e quis o destino que fosse novamente nos sábados de manhã – lá no Japão).
Com um visual de encher os olhos (quando quer, a Toei sabe fazer, né?), a trama agora é bem mais ágil que nos 1990, tanto que reduziu mais ou menos pela metade em número de episódios o que vimos na série original. A partir do fim de março de 2021, finalmente veremos como a jornada do pequeno herói vai se desenrolar em todas as sagas que ainda estão por vir, mas vamos deixar pra falar melhor desse animê mais a frente, em uma continuação desta matéria.
Fly – O Pequeno Guerreiro foi feito numa época onde as histórias de ação infanto-juvenis ainda eram mais “simples” se comparadas às tramas de hoje, o que podemos agora ver e rever também em seu remake. Uma boa aventura com ares de RPG na velha luta do bem contra o mal, com vilões caricatos e genuinamente maus e um protagonista com aquele sonho pueril de criança. Embarcar numa aventura imaginária dessas é bom às vezes, né?
Outras curiosidades
- O SBT chegou a exibir dublados os chamados eyecatches, vinhetas de intervalo do animê.
- Na Itália, o animê recebeu o título de I Cavalieri Del Drago, que traduzido seria algo como Os Cavaleiros do Dragão — de certa forma, um spoiler dos eventos finais. Já na Malásia, o título escolhido para o mangá foi Misteri Naga, algo como O Mistério do Dragão.
- Dai para Tom não foi a única mudança de nome na versão italiana, a maioria foi adaptada. Pop virou Daniel, Maam virou Mara, Leona virou Lilibeth, Gome virou Dixie, Brass virou Ubaldo, Hyunckel virou Nemesis e Crocodine virou Dracon. Avan foi um dos poucos que se salvou.
- O título Dragon Quest possivelmente foi dispensado das adaptações ocidentais nos anos 1990 porque o jogo não era conhecido fora do Japão (nos EUA chegou com o nome de Dragon Warrior em 1989). No Brasil, também poderia prejudicar a marca Dragon Ball, que vinha pela mesma distribuidora.
- Itália e França também produziram suas próprias músicas tema para o animê. No México, entretanto, foi usada uma adaptação em espanhol do tema original.
- As músicas japonesas de abertura e encerramento foram compostas por Koichi Sugiyama, o mesmo dos games, com interpretação de Jiro Dan, protagonista de O Regresso de Ultraman. Os dois já haviam trabalhado juntos 20 anos antes, justamente com o tema dessa série tokusatsu.
- Há relatos de que o primeiro animê de Dragon Quest foi lançado em VHS no Brasil com o título de Dragon Boy. No entanto, não encontramos nenhum registro material sobre isso.
- Apesar de aparecer laranja na TV, Blass (Brass) tem a cor cinza nas ilustrações oficiais do mangá. A adaptação de 2020 optou por trazê-lo cinza novamente.
- No mangá original, o nome “Dai” é dado ao protagonista por Brass pois foi a inicial que ele encontrou no cesto que trazia o bebê órfão. Acontece que o nome original da criança era Dino e o “no” acabou se apagando.
- O mago Matorife (Matoriv), que aparece no meio da série e vira um mestre para Pop, é uma paródia de Kazuhiko Torishima, o editor da Shonen Jump amigo de Yuji Horii. Ele já havia inspirado antes o personagem Dr. Mashirito, em Dr. Slump (de Akira Toriyama).
- Derupa! Iruiru!, título do protótipo de Dai nos mangás, são os comandos usados pelo personagem para acionar o tubo mágico. Na nossa dublagem, ficou como “delta” e “iruiru”.
- O comercial dos bonecos da Grow trazia a música tema com outro arranjo em comparação ao da série, mas mantendo a letra.
- Por ser o único produto oficial conhecido, a cartela dos bonecos da Grow traz alguns dos nomes dos personagens no Brasil. Para esta matéria, consideramos a forma como está escrito na cartela os nomes de Hadler, Pop e Jenky.
- Uma continuação do mangá chegou a ser planejada. Embora o principal tenha sido concluído, o roteirista Riku Sanjo deixou algumas pontas soltas para que pudesse aproveitar em uma possível sequência, que seria uma espécie de “Saga do Inferno”. No entanto, em respeito ao desgaste físico do ilustrador Koji Inada, a série foi encerrada. O capítulo final foi publicado pela 1ª vez com algumas artes não finalizadas.
- Antes de Dragon Quest, Riku Sanjo foi roteirista do animê para vídeo M.D. Geist, lançado em 1986. Uma sequência de 1996, subintitulada de Death Force, foi exibida no Brasil pela Manchete em 1997, dentro do bloco U.S. Mangá.
- O diretor de Fly – O Pequeno Guerreiro foi Nobutaka Nishizawa, o mesmo de Slam Dunk.
- Com o lançamento do remake, o animê original finalmente foi lançado remasterizado em Blu-ray no Japão em 2020, junto com os três filmes. O mangá original também ganhou uma reedição, chamada de Perfect Edition (edição perfeita, em tradução livre).
- Ironicamente, o canal que exibiu o animê no Brasil, o SBT, tem a mesma sigla do canal que exibiu no Japão, o TBS, mas ao contrário.
Ficha técnica
- JAPÃO
Título: Dragon Quest: Dai no Daiboken
Emissora original: TBS
Exibição original: 17 de outubro de 1991 a 24 de setembro de 1992
Horário original: quintas, das 19h às 19h30
Total de episódios: 46 para a TV e 3 para o cinema
Estúdio: Toei Animation
Criação: Riku Sanjo e Koji Inada, com base no universo de Yuji Horii
Roteiro: Junki Takegami (ep. 1~5, 7~8, 14, 27, 30, 38~40 e 45~46), Kazuhiko Godo (ep. 11~12, 23~26, 29, 32, 34, 36, 42 e 44), Yukiyoshi Ohashi (ep. 6, 9~10, 13, 15~18, 19~22, 28, 31, 33, 35, 37, 41 e 43)
Direção geral: Nobutaka Nishizawa
Designer de personagens: Yasuchika Nagaoka
Trilha sonora: Koichi Sugiyama
Produtor: Atsushi Kido (Toei Animation), Hiroshi Inoue (TBS), Yoshio Takami
Elenco de vozes: Toshiko Fujita (Dai), Keiichi Nanba (Popp), Miina Tominaga (Maam), Aya Hisakawa (Leona), Banjou Ginga (Crocodine), Hideyuki Hori (Hyunckel), Isamu Tanonaka (Brass), Mariko Kouda (Gome), Hideyuki Tanaka (Avan, Kill-Bearn, narração), Kenji Utsumi (Bearn), Takeshi Aono (Hadler), Naoki Tatsuta (Zaboela), Keiichi Nanba (Myst-Bearn), Ken Yamaguchi (Flazzard), Unsho Ishizuka (Baran), Wakana Yamazaki (Soara, a mãe de Dai), Kinpei Azusa (rei de Romos), Shin Aomori (Matoriv), Aruno Tahara (Badak), Yumi Touma (Amy), Hikaru Midorikawa (Apollo, Derolin), Takeshi Aono (mago Mazopho), Yukitoshi Hori (Herohero), Hiroko Emori (Zurbon, Marin, Piroro, avó de Meruru), Chieko Nanba (Meruru), Hiroshi Masuoka (Temujin), Yoku Shioya (Balon), Kiyoyuki Yanada (Hawkins), Kyoko Yamada (Miina), Michitaka Kobayashi (guardião do templo dos dragões), Noriko Uemura (Leyra, mãe de Maam)
- BRASIL
Título no Brasil: Fly – O Pequeno Guerreiro
Distribuição: Alien International
Emissora no Brasil: SBT
Elenco de dublagem: Noeli Santisteban (Fly), Mário Vilela (Blass e figurações), Flávio Dias (Pop e Jenky Criança – 2ª voz), Letícia Quinto (Maam), Fábio Moura (Avan, guardião do templo dos dragões e figurações), Alessandra Araújo (Princesa Leona e Jenky criança – 3ª voz), João Paulo Ramalho (Hadler – 1ª voz e Rei do Mal Bearn – 4ª voz), Gilberto Baroli (Hadler – 2ª voz e narração), Ronaldo Artnic (Jenky; Gárgula 1 no ep. 4; Guarda 2 no ep. 13; guarda 1 e soldado de Zaboera 3 no ep. 15), Fábio Tomasini (Zaboera e Hawkins), Eudes Carvalho (Freyzard e Rei do Mal – 2ª voz), Bruno Rocha (Rei do Mal – 3ª voz no ep. 23 e “5ª voz” no ep.46; Myst-Bearn, pai de Mina e recepcionista do hotel no ep. 13; Soldado de Zaboera 1 no ep. 15; Capitão do Navio no ep. 19), Antônio Moreno (Baran), Sidney Lilla (Kill-Bearn), Carlos Falat (Piroro), Fátima Noya (Zulubo), Rosa Baroli (Zulubo no ep.18), Ivo Roberto (Mazolo; Morg; pescador 1 no ep. 6), Cassius Romero (Deloin – 1ª voz e Crocodine), Rogério Vieira (Deloin – 2ª voz), Carlos Silveira (Helo-Helo 1ª voz), Mario Jorge (Helo-Helo – 2ª voz), Carlos Eduardo “Cadu” Amorim (rei de Lomos e Rei do Mal – 1ª voz), Elcio Sodré (Olho do Mal), Marcelo Pissardini (Matorife), Eleonora Prado (Amy e Jenky criança – 1ª voz), Affonso Amajones (Apollo), Raquel Marinho (Marin/Mailin – 1ª voz), Thelma Lúcia (Marin/Mailin – 2ª voz e figurações), Hermes Baroli (Balon), José Soares (Tenjin; Badak), Christina Rodrigues (Mina), Márcia Regina (Melulu; criança 1 e criança 3 no ep. 10), Zayra Zordan (vó de Melulu), Denise Reis (Rayla; aldeã no ep. 10), Muibo César Cury (Cavaleiro Bardos), Jonas Melo (narração dos títulos dos episódios), César Leitão (Helo-Helo no ep.18 e figurações), Ary Fernandes (Pescador 2 no ep. 6; Pai da Mina no ep. 10; Soldado 2 no ep. 18; Soldado de Lomos 2, Gárgula 2 e chama de Freyzard 2 no ep. 19; Soldado esqueleto no ep. 21; Guarda do balão 1, soldados e guardas dos sábios no ep. 27; Cavaleiro 1 e aldeão 2 no ep. 28), Alfredo Rollo (Baran no ep.27; Aldeão 1 e guarda 1 no ep. 13; Guarda 1 no ep. 14; Guarda 2 e soldado de Zaboera 2 no ep. 15; Soldado 1, Gárgula e cidadão na multidão no ep. 18; Soldado de Lomos 1 e Gárgula 1 no ep. 19; guarda do balão 2 e soldados no ep. 27; Cavaleiro 2 e aldeão 1 no ep. 28; Gárgula 2 no ep. 36, Jorge Pires (ancião da aldeia de Maam e figurações), Úrsula Bezerra (Criança 2 no ep. 10), Fernanda Bock (figurações), Figueira Junior (figurações), Paulo Wolf (figurações), Celso Alves (velho aldeão no ep. 30; aldeão 1 e 2 no ep. 31; gárgula no ep. 32), Gileno Santoro (figurações nos ep. 33, 34 e 36)
Direção de dublagem: Gilberto Baroli
Versão brasileira: Gota Mágica – São Paulo
Guia de episódios
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Fontes consultadas: Folha de S. Paulo — 09/06/1996, A Tribuna (SP) — 23/04/2000