Texto: Leandrogon (Larc) e César Filho
Edição: Rafael Jiback
Revisão:
Rafael Jiback e César Filho
Última atualização em 29 de março de 2020.


No começo da década de 1980, o gênero tokusatsu estava combalido após o fim das séries Kamen Rider Super-1 (Toei) e Ultraman 80 (Tsuburaya). Para o ano de 1982, a Toei Company pretendia criar um novo herói, que acabou se tornando o pioneiro de uma linha de super-heróis que seria conhecida mais tarde como a franquia Metal Hero. Estamos falando do lendário Policial do Espaço Gavan (Uchuu Keiji Gavan, exibido pela Globo no começo da década de 1990 como Space Cop), que com seu visual e conceitos inovadores, logo caiu no gosto do público japonês.

Os policiais do espaço. Da esq. p/ dir.: Sharivan, Gavan e Shaider. | Reprodução Toei Company

Como em time que está ganhando não se mexe, a equipe criativa da Toei (que assinou diversas produções como Saburo Hatte) produziu duas sequências diretas de Gavan nos anos posteriores – o Detetive Espacial Sharivan e o Policial do Espaço Shaider. Infelizmente, estas séries não conseguiram expandir de forma tão criativa o universo estabelecido por Gavan e a queda de audiência em Shaider aliada à receita batida pode ter sido responsável pela busca de uma proposta inovadora para ocupar a faixa das 19h30, nas noites de sexta-feira da TV Asahi no ano de 1985. 

Três projetos foram criados para tal missão. O primeiro foi chamado de Ginsei Ouji Big Bang (Príncipe da Estrela de Prata Big Bang), onde o herói principal não vestiria uma armadura metálica e seria uma fera espacial (hein?). A pedido da Bandai (empresa de brinquedos e principal patrocinadora), foi feita uma reformulação no roteiro e a história passaria a contar a saga de Taro, um jovem que veio para a Terra após fugir da destruição de seu planeta aquático, causada pela rainha do mal Himeela e seus capangas do império Quasar. Tal enredo seria utilizado em 1986, com ajustes, na série Spielvan. Com referências aos clássicos do cinema Poltergeist (1982) e Gremlins (1984), Big Bang seria praticamente um Superman japonês, uma vez que o alter-ego seria adotado por uma família da Terra.

O segundo projeto se chamou Kaiju Tokusou Huntman (Investigador Especial de Monstros Huntman). A trama se passaria na Terra, onde o herói Jimbo (não, ele não seria um cachorro) contaria com a ajuda de um grupo de jovens na luta contra estranhas criaturas que se infiltram na sociedade humana. A ideia de guerra espacial de Big Bang foi abandonada, mas características de personagens seriam mantidas.  Segundo o produtor Susumu Yoshikawa, Huntman seria inspirado no filme Os Caça-Fantasmas (1984).

Por fim, o  terceiro e último projeto abandonado foi Youjuu Tokusou Deniro (Investigador Especial de Feras Malignas Deniro). O nome do herói era um claro tributo ao ator Robert De Niro (!), tal como Gavan foi um nome em homenagem ao francês Jean Gavin e Shaider uma homenagem ao americano Roy Scheider. Após um brainstorm da equipe Saburo Hatte, o roteirista Shozo Uehara propôs uma mudança de título para Kyojuu Tokusou Juspion, sendo o nome Juspion uma junção de sílabas das palavras em inglês “justice” e  “champion“. Por questões fonéticas, o super herói seria rebatizado para Jaspion em nosso país – onde se tornaria um fenômeno.



A saga do Tarzan Galáctico

Quando o poderoso Satan Goss despertar, a fúria dos monstros espaciais arruinará os planetas e em breve a constelação será exterminada. Para acabar com Satan Goss…

Trecho da Bíblia Galática – episódio 1 de Jaspion

No distante Planeta Edin (Ejin), um profeta que leva o mesmo nome decifrou uma parte do Velho Testamento da Bíblia Galáctica, que comprova o despertar de Satan Goss (Satan Gorth), que tem o poder de enfurecer seres e transformá-los em monstros incontroláveis. Edin convoca seu discípulo, o jovem Jaspion (Juspion), e lhe entrega a armadura Metaltex, a nave-robô Daileon – que possui em seu interior veículos menores – e a androide Anri. Considerando que Edin mais parece um mago e seu planeta possui um visual bem inóspito, reside um mistério no roteiro em torno da origem da tecnologia entregue ao herói – mas quem liga, né?

O trio principal. Da esq. p/ dir.: Miya, Jaspion e Anri.

Cruzando o espaço no encalço de Satan Goss, Jaspion acaba resgatando uma monstrinha chamada Miya – que parece um ancestral paleozoico dos Teletubbies – que se junta à tripulação da espaçonave para aventuras onde nenhum homem jamais esteve…

Infelizmente, a interessante proposta inicial da série, em que Jaspion viajaria por planetas, acabou logo no episódio 3 por questões de orçamento. A intenção da Toei Company era a de causar impacto e chamar atenção para o novo programa – inclusive com direito a ecos de Star Wars na trama. Ou você nunca notou a semelhança entre Satan Goss e Darth Vader? Com a desculpa de que a Terra é um planeta infestado de monstros gigantes adormecidos (conceito emulado das séries Ultraman), Jaspion passa a encarar desafios “diários” para impedir que Satã Goss e seu filho, MacGaren (Mad Galant), transformem a Terra no Império dos Monstros.

O aliado Boomerman.

Por aqui, Jaspion ganha a amizade de Boomerman (Boomerang), um agente secreto que busca vingança contra MacGaren – e lança bumerangues gigantes contra os vilões – e também do Professor Nambara. Este personagem adiciona à série o mistério do Pássaro Dourado, que é a chave para derrotar o Satan Goss. No desenrolar da trama, descobre-se que apenas com a reunião de 7 crianças especiais que viram uma luz, a criatura pode se manifestar. 

Nutrindo um ódio mortal contra o herói, no episódio 29 –  para espanto e vibração do público – MacGaren e Jaspion travam uma intensa batalha onde nosso herói aniquila com requintes de crueldade seu algoz. Mas é claro que essa vitória dura pouco tempo, pois dos confins do universo surge a bruxa intergalática Kilza – e sua inesquecível “reza” Berekekatakabambá. Aliás, o que não falta na série são vilões aparecendo para tentar liquidar Jaspion. Entre os mais memoráveis estão Aigaman (Aigerman), Zampa, os irmãos Gasami, Jon Tiger (amigo de infância de Jaspion que se volta contra ele) e a bruxa Kilmaza – irmã de Kilza, que traz consigo 5 ninjas espaciais e irritantes castanholas (lembra do barulhinho?).

Da esq. p/ dir.: Jaspion vs. MacGaren, Kilza e Jon Tiger

A reta final da série é marcada por momentos intensos, começando com Satan Goss assumindo sua verdadeira forma como o Poderoso Satan Goss (Dai Satan Gorth) – depois de um ritual pra lá de macabro. Com seu novo poder, tem-se início a construção do Império dos Monstros, que traz de volta várias fantasi… Eeer… Traz de volta vários monstros já vencidos. Em uma corrida contra o tempo para encontrar as crianças irradiadas pela luz restantes, Jaspion luta implacavelmente contra as inimigas de longa data Purima (Brima) e Gyoru (Guilleau), e ainda tem um embate final contra MacGaren (repetindo umas 312 vezes a cena da Alan Moto Space derrubando o tanque, mas com um fim surpreendente). 

Restando apenas a última criança (que segundo uma profecia seria um bebê), o velho Edin decide encarar os inimigos frente a frente em uma batalha épica. A fúria de Jaspion explode e em meio à violenta batalha contra o Poderoso Satan Goss, um milagre acontece: a sétima e última criança irradiada pela luz se manifesta das entranhas da Terra e isso automaticamente enfraquece Satan Goss. Empunhando uma espada dourada originada do Pássaro Dourado, o Gigante Guerreiro Daileon desfere o golpe definitivo contra o Satanás da Via Láctea. 

Após o longo embate entre a luz e as trevas, Jaspion e Anri adotam o bebê e o batizam com o nome de Tarzan. A pequena tripulação da nave Daileon parte de volta para o Planeta Edin e o nosso herói se dispõe a treinar Tarzan para que ele defenda o universo contra uma eventual investida do mal.

 

 

Escolhas de bastidor

Daileon, o robô gigante de Jaspion. | Reprodução Toei Company

Embora não tenha ligação com os Policiais do Espaço, é inegável que Jaspion se apropriou de elementos das produções anteriores e deu um ar mais enxuto e dinâmico para o que antes estava tedioso. Um exemplo disso é a “dimensão paralela”, que era um elemento presente na série, mas que não tinha uma explicação técnica do seu porquê como nas séries anteriores. O robô gigante ganhou uma forma mais imponente e de destaque na produção – deixando de lado a esquecível tentativa de mecha humanoide vista em Shaider.

Elementos dos projetos iniciais apresentados no início desta matéria foram essenciais para a concepção de Jaspion, principalmente nos primeiros capítulos. A maior curiosidade foi sem dúvidas na elaboração de Satan Goss. O vilão foi concebido das mais variadas formas de inspiração de diversas mitologias, como grifos, dragões e a criatura Cthulhu. Os designers da Bandai sugeriram um visual inspirado no vilão Darth Vader, dos filmes Star Wars. A aparência de Cthulhu foi usada apenas nos episódios finais, quando o demônio espacial se torna o Poderoso Satan Goss.

O Poderoso Satan Goss enfrenta Daileon. | Reprodução Toei Company

Nos preparativos das gravações do primeiro episódio, outras mudanças foram feitas. Anri seria filha de Edin e especialista em computadores, porém se tornou uma androide. Jaspion contaria com o auxílio de Jeannie, uma guerreira espacial que teve seus pais e irmão mais novo assassinados pela organização Fog e viveria na Terra com o nome de Yumeko Hino. O conceito de organização foi deixado de lado e Yumeko acabou se tornando o Boomerman – interpretado por Hiroshi Watari, que 2 anos antes estreava como protagonista na série Sharivan

O roteirista principal da série foi Shozo Uehara (falecido no começo de 2020), que escreveu 42 dos 46 episódios de Jaspion. Ele foi responsável por trabalhar em vários episódios da trilogia dos Policiais do Espaço, da Família Ultra, além de ser um dos responsáveis pela concepção de Kamen Rider Black. Os demais quatro episódios foram escritos pelo também falecido roteirista de animês Haruya Yamasaki.

O staff iria contar com o auxílio do roteirista Shigemitsu Tagichi (de Ultraman Taro e Ultraman Leo), que chegou a escrever o episódio que jamais foi ao ar intitulado Kimi wa kyojû o mita ka? (Você viu o monstro gigante?). Sem motivos esclarecidos para a reprovação do roteiro e sem precisão no ponto da série, o episódio apresentava Tetsuo, um garoto que costumava mentir para chamar a atenção de seu pai, que logo é morto por MacGaren – através de um acidente forjado – após descobrir a existência do monstro sugador de energia Brackle. Quando todos, inclusive a polícia, duvidaram da palavra de Tetsuo, Jaspion começou a investigação. O monstro ataca Daileon com suas presas e morde o braço do robô gigante, soltando até descargas elétricas (o roteiro foi preciso nesse detalhe). O final seria triste, com Tetsuo sem o pai e Jaspion lhe dando forças para superar a dor. Digno de um episódio da era de ouro das séries Ultraman.

Hikaru Kusoaki como Shota Yamamori em ‘Bioman’ (1984)

O ator que deu vida ao herói, Hikaru Kurosaki, havia estrelado em 1983 uma versão live-action do popular mangá Iga no Kabamaru (Kabamaru, O garoto ninja), apontando uma veia cômica que o público pôde conferir com ainda mais intensidade em 1984, quando o ator deu vida ao “6º membro espiritual” do super sentai Bioman – o personagem Shota Yamamori/Magma Senshi. Esse perfil mais “palhaço” do ator foi incorporado ao personagem Jaspion no começo de sua jornada, mas com o passar dos episódios o personagem foi, de alguma forma, ficando mais sério – e perdendo o “charme” de seu corte de cabelo (risos). 

Se na trilogia Gavan, Sharivan e Shaider, o público se deparava com monstros de borracha sem nenhum carisma, o mesmo erro não foi cometido em Jaspion. Desde a concepção, os monstros e vilões foram bem trabalhados, tornando clássicos “monstros do dia” como Namaguederaz, o feioso Pirossauro (Pirazahl) e Umibura (Umiblar) e seu dono – aquele samurai estranho, o Zamurai. Tudo bem que os personagens secundários (como os soldados) eram bem tosquinhos (um parecia ter algodão doce colado no rosto, juro!) e algumas ameaças eram patéticas – como aquele robô tosco que mais parecia uma geladeira – mas a dupla de vilões principais superaram as breguices típicas da época (como o abajur na cabeça da Purima).

Junichi Haruta como o vilão MacGaren | Reprodução Toei Company

Falando no memorável filho de Satã Goss, sua versão humana foi vivida pelo veterano Junichi Haruta, um dos mais famosos dublês de live-action, que tem em seu currículo séries como Dynaman, o primeiro Kamen Rider e Goggle Five (onde ele é o próprio Goggle Black). Entre outros do elenco, destaca-se Kyomi Tsukada como a “ajudante-inútil”, que no ano anterior viveu a fotógrafa – também inútil – Gunko em Machine Man e o já citado Hiroshi Watari.

Chumei Watanabe, o compositor da trilha de Jaspion.

Vale mencionar também a memorável trilha sonora de Jaspion, que foi composta por Chumei Watanabe. Dentre as séries japonesas exibidas no Brasil, Watanabe contribuiu para Agentes Fantasmas, GavanSharivanShaiderSpielvan, Jiban Goggle Five, além de algumas trilhas para Kamen Rider Black e Kamen Rider Black RX. E sem contar trilhas sonoras para animês como Mazinger Z e Abelhinha Hutch. Em Jaspion, Watanabe criou as melodias dos temas interpretados por Ai Takano (intérprete da abertura) e Akira Kushida (que, entre outras, embalou a música icônica do robô Daileon – que no Brasil virou o meme “O Cara Tossiu” em priscas eras da internet). Curiosamente, Kushida foi o cantor que mais deu voz a músicas do compositor. Boa parte das músicas incidentais de Jaspion foram reaproveitadas em 1989 na série Jiban, onde também tocaram trilhas de outros clássicos como SharivanTetsujin 17 e Spiderman.


O fenômeno Jaspion no Brasil

Falar da chegada de Jaspion ao Brasil é falar da história do tokusatsu em sua era de ouro na TV brasileira. A série, que estreou no fim dos anos 1980 na Manchete junto de Changeman, transformou-se em uma verdadeira febre, sendo o trampolim para uma invasão dos heróis nipônicos que reinaram absolutos na TV até metade dos anos 1990. Mas esse sucesso não foi alcançado tão facilmente.

Toshihiko Egashira

Por volta do ano de 1985, o senhor Toshihiro Egashira era o dono de uma locadora de vídeo situada no Bairro da Liberdade (tradicional bairro japonês em São Paulo), chamada Golden Fox. Tal locadora tinha algo peculiar: alugava programas gravados da TV japonesa para os descendentes que ali habitavam. Só que ele reparou algo bastante interessante: entre todos os programas disponíveis, os que mais chamavam a atenção – principalmente das crianças – eram os de heróis. E não eram só os japinhas que curtiam, pois mesmo estando em japonês puro, a criançada brazuca também despertou interesse pelos programas, incluindo os filhos de um amigo, que era um dos diretores do SBT na época.

Vendo o resultado e com os conselhos do amigo, “Toshi” teve a ideia de adquirir os direitos de algumas dessas produções e lançá-las nacionalmente no mercado de vídeo em meados de 1987. Para tanto, ele se aventurou a ir ao Japão, sem nem saber o endereço da Toei Company, de onde trouxe na bagagem as duas séries mais recentes até então: Changeman e Jaspion, fundando assim a Everest Vídeo. O contrato da época valia apenas para o home video, que trouxe um resultado bem satisfatório, maior até que alguns desenhos japoneses que trouxe na mesma época. Foi aí que o Sr. Toshi decidiu ir além, com a ideia de licenciá-los também para a exibição na tevê.

Só que o caminho a ser percorrido era mais difícil do que se imaginava. Ambas as séries foram oferecidas a praticamente todas as emissoras (ironicamente, inicialmente não foi ofertado para a Manchete!) e o que mais se ouvia era “não trabalhamos com isso” e “o tempo do National Kid já passou…”. Foi então que, graças a uma mãozinha de uma agência que pertencia ao grupo do já falecido Beto Carrero (sim, aquele tiozinho do chapéu responsável por um dos maiores parques do mundo), a Everest fechou um acordo para exibir ambas as séries na Manchete, a partir do dia 22 de fevereiro de 1988.

Em menos de 1 mês de exibição dentro do Clube da Criança, as aventuras do herói metálico e do quinteto saltitante conseguiram a proeza de alcançar o segundo lugar na audiência, tornando-se os programas mais vistos da emissora. Chegou-se a registrar o índice de 12% de audiência, algo que o fenômeno japonês seguinte, Os Cavaleiros do Zodíaco, jamais alcançou. Foi o início de uma era de ouro para os seriados tokusatsu. Mas a alegria não foi total.

Jaspion | Divulgação Toei Company

Para começar, a Manchete exibia Jaspion de segunda a sexta mantendo um fatigante método de segurar certos lotes de episódios e reprisar constantemente as primeiras aventuras. Dessa maneira, o último episódio foi ao ar no segundo semestre de 1989, praticamente na mesma época em que a fita VHS com o final chegava ao mercado. E no meio ao crescente sucesso do herói, cresceu também o investimento para a vinda de outras séries do gênero que rechearam as tardes (e em uma época, praticamente o dia todo!) da emissora, em uma de suas melhores fases. Mas, tal sucesso também teve seu ponto negativo. Todos os canais, de olho na fatia de audiência alcançada pelos enlatados da Manchete, resolveram investir no filão, trazendo tudo quanto é tipo de similar a Jaspion e Changeman.

Para se ter uma ideia do alvoroço, chegou uma época em que cerca de 17 seriados estavam no ar na TV, isso enquanto o Japão exibia de 2 a 3 por ano! Os japas sabiam que o excesso poderia saturar o mercado, mas não tinham como controlar a fome dos distribuidores, que nem sempre adquiriam os seriados direto da fonte.  A Oro Filmes, por exemplo, trouxe Goggle V, Machine Man e Sharivan de uma matriz italiana. Até a Globo, quem diria, foi ao Japão comprar seus tokusatsu, trazendo ela própria para o Brasil Gavan, Bicrossers e Shaider. O resultado dessa zona: o ar de novidade que aqueles heróis representavam foi se perdendo, fazendo com que o gênero fosse ficando saturado, e pouco a pouco fosse se despedindo da TV. Afinal, chegou um ponto que ninguém mais aguentava o exército de “Jaspions e Changemans” em tudo quanto é canal.

Fila para assistir às apresentações do Circo Show | Imagem de arquivo Toshihiko Egashira

Mas voltando à parte boa, de todas as coisas mais fantásticas que essa época trouxe para o público, sem dúvidas a maior de todas foi o circo-show. Quando comprou as séries com a Toei Company, o senhor “Toshi” trouxe na bagagem as roupas dos heróis para ajudar na veiculação dessas séries em solo tupiniquim (numa época em que a Toei era “boazinha” e tinha um olho enorme no potencial pouco explorado do mercado brasileiro). Com roteiros escritos por Nelson Machado (o dublador do Quico, no seriado Chaves) e assistência de direção de Mauro Eduardo (dublador do Jiraiya e do InuYasha nas séries homônimas), contando com o dublê Adriel de Almeida (hoje um ícone para milhares de fãs de tokusatsu que o chamam de “Jaspion brasileiro” pelo fato de ter vestido a armadura do herói) como o principal da equipe, o Circo-Show de Jaspion & Changeman foi um enorme sucesso – e ainda tinha apresentação da Angélica, então uma jovem apresentadora do Clube da Criança. Já sem o envolvimento de Nelson e Mauro, mas ainda com Adriel (que assumiu a roupa de Jaspion após a desistência do primeiro dublê escalado), o Circo-Show rodou todo o país até meados de 1992, em apresentações que entupiam as lonas e deixavam as crianças ‘fantasticadas’ com tudo que viam. Prejuízo só para os pais: o preço cobrado para tirar fotos com os heróis era os olhos da cara!

Tadashi Kamitani em entrevista ao programa ‘Jô Soares Onze e Meia’ | Reprodução SBT

Quem assumia a versão civil de Jaspion nessas apresentações era Tadashi Kamitani, que foi entrevistado nos anos 1990 por Jô Soares em seu antigo talk show no SBT. Por desaviso, o apresentador pensou que o convidado era o próprio ator Hikaru Kurosaki, que interpretou o herói na TV, e ainda exibiu cenas de ação do seriado. Tamanha confusão acabou criando uma lenda urbana nos papos de roda sobre o ator do Jaspion ser “um brasileiro” – fake news que volta e meia é revivida.

Mas o que importa é que Jaspion virou um fenômeno, aparecendo em tudo quanto é mídia: quadrinhos (via Bloch, EBAL e Abril), chicletes, discos e fitas k7, camisetas e tudo mais em que era possível estampar a marca do personagem. Os brinquedos vinham pela Glasslite (que reaproveitou moldes de outros brinquedos para muitos dos produtos – lembra do boneco com “corpo de Robocop”?) e o disco com a trilha sonora nacional veio pela Top Tape. Uma tosca revista em fotonovela (pela Editora Bloch), com frames em péssima qualidade, recontava os episódios da TV. Pelo selo da editora Abril, Jaspion ganhou aventuras inéditas em quadrinhos (e não-canônicas), que eram ambientadas após a derrota de Satan Goss (tudo produzido por artistas e roteiristas brasileiros, com aval da Toei Company – que aparentemente não estava nem aí para o “legado” do herói). Curiosamente aconteciam encontros com outros heróis japoneses da época e até o Boomerman teve aventuras próprias.

LP com o “encontro” entre Spielvan (o “Jaspion 2”) e Jaspion.

Aproveitando todo esse sucesso, a Everest, em um grotesco plano de marketing, lançou a produção subsequente de Jaspion no Japão, Spielvan, com o nome comercial de Jaspion 2, com direito a um disquinho com os dois “juntos” na capa. Bizarramente, na TV o herói era chamado por seu nome original e apenas o lettering indicando a parte do programa que ia ao ar no horário na Manchete vinha com o nome Jaspion 2

Depois das reprises na Manchete, que duraram até meados de 1992, a partir de outubro de 1994, as aventuras do clássico Jaspion passaram a ser reprisadas nas tardes da Record junto a Changeman, Flashman, Machine Man, Sharivan e Goggle 5. Lógico que não fez o mesmo sucesso que antes, pois a Manchete já tinha reprisado trocentas vezes cada episódio, tanto que as fitas estavam até quase transparentes (estamos exagerando, mas que eles reprisaram umas 100 vezes cada episódio não dá para negar). Estranhamente, a Record exibiu a partir do episódio 17, mas seguiu até o final. A série se despediu da TV brasileira em maior de 1997, quando foi exibida discretamente nas manhãs da CNT/Gazeta (onde havia estreado em 3 de março daquele ano).

 

Cult nacional no século XXI

“Edição de colecionador” com os primeiros DVDs pela Focus Filmes | Imagem: Pepê Souza | JBox

O fatídico boneco deformado que acompanhava a lata de DVDs. | Imagem: Pepê Souza | JBox

Após anos de escassez de algum material oficial no mercado brasileiro, Jaspion retornava ao Brasil em 2009 através de uma coleção em DVD pela Focus Filmes. Dividido em duas boxes, o título garantiu mais lançamentos de séries tokusatsu pela distribuidora, que tiveram vários problemas em seus respectivos conteúdos. Com exceção de um boneco deformado que veio na lata da coleção, a primeira box de Jaspion, lançada em maio daquele ano, foi a que teve mais esmero pela Focus, contando com divertidos comentários em áudio tocados pelo cantor Ricardo Cruz (JAM Project, Danger 3, Anison Lab), Eugênio Furbeta (do portal TokuBrasil), os jornalistas Rodrigo Guerrino e Marcelo Goto durante os extras dos primeiros 14 episódios. O material também contou com uma entrevista com o sr. Toshihiko Egashira, o responsável pelo licenciamento de Jaspion no Brasil.

Em 2015, a distribuidora Sato Company adquiriu os direitos do personagem – já com o merecido status de cult em nossa cultura pop – juntamente com outras produções. Negociações para o lançamento de Jaspion (ao lado de Changeman, Flashman, JiraIya, Jiban e até do amado Black Kamen Rider e o inédito GARO) no serviço de streaming Netflix ocorreram, com a divulgação em primeira mão pelo JBox na época. A repercussão foi gigantesca pela internet, mas a plataforma e o senhor Sato não chegaram ao melhor dos acordos e o projeto foi pra gaveta. Um dos motivos teria sido a falta de uma qualidade de imagem em HD, que seria o padrão da Netflix naquele momento.

Incansável, e ampliando mais a distribuição de conteúdos para streaming, a Sato Company se junto a outras empresas para lançar no ano seguinte (2016) o serviço WOW! Play, uma iniciativa que abraçaria os seriados tokusatsu “rejeitados” pela Netflix – com exceção do Kamen Rider, que possuía dificuldades de negociação com a Toei. Entretanto, a experiência do WOW! Play não foi das melhores, com um catálogo minúsculo e um player problemático, fazendo com que o serviço fosse descontinuado menos de 1 ano após seu lançamento, em fevereiro de 2017.

No mesmo ano de 2017, o YouTube viu nascer o canal Tokusatsu TV, onde Jaspion finalmente passou a ser disponibilizado oficialmente junto a outras séries e, o melhor, de forma gratuita. De forma pouco usual, a série foi aos poucos sendo disponibilizada, parando no episódio 35. 

Rodrigo Bernardo (diretor do filme brasileiro) cumprimentando Nelson Sato | Imagem: Marcelo Paixão/Divulgação UOL

Em 21 de fevereiro de 2018, uma bomba abalou a estrutura dos fãs de tokusatsu: a Sato Company adquiriu aval da Toei Company para realizar um filme do Jaspion em nosso país. O anúncio não podia ser num momento mais icônico: a véspera do aniversário de 30 anos da série no Brasil. Com uma expectativa pra lá de surreal, na época da divulgação foi informado que o filme estrearia já em meados de 2019. Até o presente momento desta matéria (janeiro de 2020), foi oficializado apenas o nome do diretor da longa (Rodrigo Bernardo, que por acaso é genro do senhor Sato), que busca recursos financeiros para a produção. A ideia é trazer o herói como um personagem brasileiro, sendo o ator principal um descendente de japoneses.

Rico em detalhes, o trabalho de Rafael Segnini é um produto de fã, sem relação alguma com o filme.

É relevante comentar que um artista independente chamado Rafael Segnini soltou na mesma época um teaser de um impressionante projeto pessoal envolvendo uma animação CG do herói da armadura metaltex. Por conta disso, muita gente andou forjando clickbaits enrolando os fãs mais impressionáveis, que confundem este projeto com o do projeto oficial da Sato. É bom deixar claro que não há nenhuma relação entre a animação independente e o filme oficial – embora cenas tenham sido usadas para a divulgação do mangá nacional da JBC, em uma parceria feita pela editora.

Arte conceitual do mangá ‘O Regresso de Jaspion’. | Divulgação Editora JBC

Mangá nacional? Pois é. Se o longa do herói é um verdadeira caixa de pandora, com escassez de novidades, um outro produto licenciado oficial já possui um destino mais bem resolvido: o mangá brasileiro oficial de Jaspion. Intitulado O Regresso de Jaspion, o material da Editora JBC tem roteiro de Fábio Yabu (de Combo Rangers) e arte do talentosíssimo Michael Borges. Com lançamento previsto para maio de 2020 (após vários adiamentos), a HQ em capa dura apresenta uma história que se passa alguns anos após o fim da saga original, com o renascimento da bruxa Kilmaza, vilões clássicos e a reaparição de aliados.

E se a Netflix não quis nosso herói, o WOW! Play foi um tiro n’água e o canal Tokusatsu TV só vive de requentar um lote de episódios (com maratonas, partes 1 e 2, versão sem cortes e etc.), em 2019 a novela de um exibidor pra série finalmente teve um fim. Em janeiro daquele ano, o serviço de streaming da Record (o PlayPlus) adicionou todos os episódios de Jaspion em seu catálogo e em agosto do mesmo ano a série (junto a outros seriados do acervo da Sato) chegou ao Prime Vídeo, da gigante Amazon. A onda do “revival” impulsionou também uma nova linha de produtos licenciados, como camisetas, e até a vinda da armadura original dos anos 1980 para uma exposição no evento Comic Con Experience, em São Paulo.

 

Inesperado retorno à TV

Mesmo chegando ao século 21 em novas mídias, Jaspion conseguiu um espaço para ser reprisado na televisão brasileira a partir de 22 de março de 2020. Em meio ao cenário da pandemia provocada pelo novo coronavírus, as emissoras sentiram um baque em sua programação. A Band, que sempre teve o esporte como um de seus pilares (e que deixou de ter conteúdo com a situação), teve que recorrer a soluções rápidas para preencher sua grade.

Devido a uma boa relação com a Sato Company, que levou a série da Netflix Orange is the New Black com sucesso às noites do canal, a Band abriu espaço nas manhãs de domingo para a reprise de Jaspion, acompanhado por Changeman e Jiraiya, dentro do bloco Mundo Animado. Inicialmente um “tapa-buracos”, a atração rendeu ótimos índices de audiência para a Band, que ampliou o horário já no domingo seguinte.

Como essa é uma página muito recente da história do herói em nosso país, vamos esperar um distanciamento histórico para definir o que foi essa inesperada exibição.

 

Legado de um herói quase nacional.

“Oh, Galaxy!” virou “O Cara tussiu” na paródia mais famosa da Companhia do Salame, que legendou músicas de tokusatsu de acordo com o que a fonética em japonês parecia soar em português. | Reprodução YouTube

Hoje em dia, o Jaspion é lembrado com carinho pelo exército de fãs que conquistou. Tal como National Kid, Ultraman e Speed Racer marcaram uma geração, Jaspion (com mais intensidade que Changeman) se tornou um ícone brasileiro da cultura oitentista. É impossível falar de anos 1980 sem lembrar do herói. 

Em duas ocasiões, os japoneses “validaram” a popularidade do personagem em nosso país. O Asashi em 2014, em plena Copa do Mundo em nosso país, enviou um jornalista com uma máscara do Jaspion para perambular pelas ruas de São Paulo e mais de 80% das pessoas abordadas reconheceram o icônico personagem. Já em 2018, um programa de variedades japonês chamado Rikukaikuu Chikyuu Seifuku (Conquista da Terra, Mar, Céu e Planeta numa tradução literal livre) fez um top 10 das personalidades japonesas mais conhecidas do Brasil e em primeiro lugar ficou ninguém menos que Hikaru Kurosaki! Bem… Na verdade foi o Jaspion mesmo, mas o que seria do personagem sem seu intérprete, né?

Programa de TV destaca Jaspion como o japonês mais famoso do Brasil. | Reprodução Facebook

Da mesma forma que National Kid e Os Cavaleiros do Zodíaco se tornaram sinônimos para heróis japoneses por aqui, Jaspion se imortalizou na mente de toda uma geração de brasileiros. Era o momento e a hora certa para a iniciativa de um jovem empresário descendente de japoneses, que fez do seu negócio uma lenda eterna que jamais será apagada da história televisiva de nosso país.


Outras curiosidades

  • No Japão, Jaspion teve média de 11.8% na audiência. É a sexta série Metal Hero de maior audiência, perdendo para Gavan (14.9%), Sharivan (13.0%), Winspector (12.8%), Shaider (12.5%) e Solbrain (12.8%).
  • Ao contrário do que diz certa lenda urbana brasileira, Jaspion não foi um fracasso no Japão, mas também não teve o mesmo boom que Gavan. A série não agradou tanto o público dos Policiais do Espaço, mas chamou a atenção de um novo público mirim que, até então, não se interessava por esse tipo de programa. A intenção era agradar os dois públicos, ainda que a Bandai tivesse proposto elementos que seriam diferentes dos antecessores do nosso Tarzan Galático.
  • O episódio de maior audiência de Jaspion foi o 29 (A Morte de MacGaren), que marcou 15.3%. Já o episódio de menor audiência foi o 39 (O poderoso beijo de Miyo), marcando 9.3%.
  • O ator Hikaru Kurosaki se afastou do meio artístico no final dos anos 1980 e atualmente trabalha como instrutor de mergulho.
  • A atriz Kiyomi Tsukada (Anri) atualmente reside na Inglaterra.
  • Junichi Haruta (MacGaren) começou sua carreira como dublê aos 16 anos, quando vestia o traje do primeiro Kamen Rider (1971). Como ator, se destacou como Goggle Black em Goggle Five (1982), Dyna Black em Dynaman (1983, inédito no Brasil), Kazenin Storm em Jiraiya (1988) e Li Bai-Long em Cybercop (1988).
  • Hiroshi Watari começou sua carreira como dublê e foi o ator principal das séries Sharivan (1983) e Spielvan (1986). Foi roteirista e diretor da série Jikuu Keisatsu Wecker (2001).
  • Durante sua primeira visita ao Brasil, o ator Hiroshi Watari contou que Boomerman foi criado para preencher a falta de tempo de Hikaru Kurosaki, que estava participando de uma peça de teatro. Entretanto, sua saída na série ocorreu por conta de uma cirurgia de retirada de sete pinos em uma das pernas, por causa de um acidente de moto que o ator sofreu em setembro de 1984. Boomerman voltou nos episódios 31 e 32. Em dezembro de 1985, Watari recebeu o convite do produtor Susumu Yoshikawa para estrelar Spielvan em abril do ano seguinte.
  • Isao Sasaki (Prof. Nambara) é famoso no Japão por sua carreira musical, interpretando temas para animês como Patrulha Estrelar, Gatchaman e séries de tokusatsu como Gorenger, JAKQ, Metalder e Dekaranger.
  • Elementos dos projetos iniciais foram essenciais para a concepção de Jaspion, principalmente nos capítulos iniciais. As feras gigantescas Irongiller e Winger foram rebatizadas como Tetsugos (T-Goss na dublagem) e Haneder, respectivamente. Fora a origem de Satan Goss, que já relatamos mais acima dessa matéria.
  • Nos preparativos das gravações do primeiro episódio, outras mudanças foram feitas. Anri continuaria sendo especialista em computadores, porém se tornou uma ginoide. Marigos e Haneder foram escolhidos como os monstros estreantes, onde se passaria no Planeta Beezee.
  • O episódio 27 teve a participação especial dos JAC Brothers, um grupo musical que, na vida real, foi formado pelos dublês Takeshi Maya, Kazuya Inoguchi e Shingo Sunagawa. As músicas do grupo que tocaram no episódio são do LP single Dragon Lord ni Hana Fubuki, lançado em 1 de novembro de 1985, data em que o episódio Juventude Ameaçadora foi ao ar pela primeira vez no Japão. O grupo havia participado do LP single Jun’ai Dynamite/Honoo no Jidai, de Hikaru Kurosaki, no ano anterior.
  • No especial de vídeo Toei 100 Great Hero Super Fight (de 1986), Jaspion foi elencado como o herói de número 93.
  • Curiosamente, uma cena do flashback que mostra o filhote Sion (episódio 23) foi exibida brevemente no penúltimo capítulo da novela das nove Avenida Brasil (de 2012). Pra ser mais exato: foi no momento em que o vilão Santiago (interpretado por Juca de Oliveira), estava assistindo TV.
  • O dublador brasileiro de Jaspion é o ator Carlos Takeshi, que ficou conhecido por suas apresentações no canal de vendas Shoptime entre 1995 e 2007. Ele emprestou sua voz para os personagens Hayate/Change Griphon em Changeman, Stanley Hilton no animê Comando Dolbuck e Tremy de Sagita na primeira dublagem d’Os Cavaleiros do Zodíaco.
  • Esq.: A silhueta de Jaspion acompanha o golpe de Gavan Type-G. Dir.: MacGaren em seu visual atualizado. Cenas do filme ‘Space Squad: Gavan vs. Dekaranger’ (2017) | Reprodução Toei Company

    Após 31 anos do final da série, Jaspion aparece por alguns segundos no filme Space Squad: Gavan vs. Dekaranger (2017). Junichi Haruta empresta sua voz para MacGaren, que ganha novos detalhes na armadura. A breve citação do nosso herói foi a chave para o novo poder de Gavan Type-G derrotar a nova encarnação do filho de Satan Goss.

 


Ficha técnica