Texto: Rafael Jiback
Revisão: Leandro Rolim
Última atualização em 16 de dezembro de 2022.
O texto a seguir é um complemento à matéria sobre a série Cardcaptor Sakura. Recomendamos a leitura anterior antes desta.
Como costuma acontecer com séries de animê de sucesso, Cardcaptor Sakura chegou também aos cinemas do Japão. Geralmente, esses filmes baseados em animações da televisão contam alguma história isolada, sem afetar o roteiro principal, apenas pra aproveitar a gurizada de férias escolares. Foi mais ou menos assim com o primeiro filme da caçadora de cartas.
No longa de 1999 (inédito no Brasil), chamado simplesmente de Cardcaptor Sakura “O Filme”, vemos Sakura convenientemente ganhando uma viagem para Hong Kong, onde ela leva seus amigos como acompanhantes e ainda recebe o encontro com Shaoran e Meiling em sua terra Natal. Num típico episódio espichado, com uma animação um tiquinho mais caprichada, o conflito de uma paquera antiga do Mago Clow surge e se resolve ali, sem mexer muita coisa. Serve para termos uma carta nova (no comecinho do longa) e pra apresentar a figura da mãe de Shaoran (que foi uma presença exclusiva do filme naquele momento, até ser relembrada quase duas décadas depois em Clear Card!).
Porém, o mesmo não se pode dizer do segundo filme da série. Em 15 de julho de 2000, chegava aos cinemas japoneses Cardcaptor Sakura: Fuuin Sealed Card (no Brasil: A Carta Selada), colado com a publicação do fim do mangá, 4 meses após o fim do animê. Fãs de Sakura já deviam estar se descabelando esperando uma “certa resposta” que não tinha vindo na animação, e ela finalmente viria aqui neste filme. E demorou, viu?
Uma nova Carta Clow e mais confusão
Em A Carta Selada, a história se passa quatro meses após o fim da série. Ao contrário do mangá, Sakura não havia dado a resposta à declaração de amor de Shaoran, que volta para Hong Kong para chorar suas pitangas em família. Porém, a garota também sofre em seu cotidiano, pensando constantemente em seus sentimentos e a distância do amado (e em 2000, relacionamento à distância ainda não tinha muitas opções).
Não bastasse o coração machucado, a rotina da “recém formada” maga fica monótona, já que os eventos estranhos com as cartas já não existem mais. Resta então à Tomoyo ficar resgatando gravações e editando filmes pra manter vivos aqueles velhos tempos de aventura — a sequência da “fita da Tomoyo” no começo do filme é uma das animações mais legais pros entusiastas de sakuga de plantão, aliás. A animação no geral, inclusive, tem um capricho a mais em relação ao longa anterior.
Pois bem, mas nem só do cotidiano de lamúrias esse filme pode viver. O conflito está em uma Carta Clow esquecida, que ficou presa no subsolo do casarão do mago. Como Eriol foi embora pra Inglaterra, a casa ficou dando sopa e… acabou tendo o terreno comprado para construir um parque de diversões (melhor que um shopping? Fica a questão). Logo essa carta se liberta e sai provocando estranhos desaparecimentos de objetos e construções ligados ao afeto de Sakura (até mesmo as suas cartas!).
Ainda sem saber desse fenômeno, Sakura vai ao tal do parque com Tomoyo, que na verdade havia tramado com Meiling o reencontro da amiga com Shaoran. A dupla de Hong Kong estava de visita ao Japão e supostamente faria uma surpresa, mas mal sabia o moço que estava dentro de uma armadilha casamenteira.
Para completar, Tomoeda está para receber o Festival do Cravo, em que a escola vai participar encenando uma peça, com Sakura vivendo a princesa. Nem precisa pensar muito pra saber que algo vai acontecer e fará com que Shaoran participe do teatro como par romântico, reforçando o clima do casal. O filme então basicamente caminha na lerdeza de Sakura em conseguir falar o que sente e os fenômenos estranhos que surgem com a manifestação da Carta Clow “selada”. E a sofrência se torna maior quando Eriol alerta que a colega só poderá vencer a ameaça se sacrificar o seu sentimento mais importante.
A batalha só vai rolar no momento final do longa, quando a carta age durante a apresentação da peça da escola, fazendo desaparecer todos que estavam ali, com exceção de Sakura, Shaoran, Meiling, Tomoyo, Kero e Yue (pois, conveniência), além de ir absorvendo uma a uma as Cartas Sakura. A luta tem alguns momentos bonitos de assistir, e a coisa vai escalonando até Sakura se ver completamente sozinha. É hora de praticar o poder de convencimento, sem abrir mão de seus sentimentos, para não só capturar a carta (que vai se fundir com aquela que surgiu no fim da série de TV, fruto do sentimento do casal), como enfim falar o aguardado “eu te amo” — literalmente, a última fala do filme.
A Carta Selada é um bom afago para quem aguardava um final mais definitivo para Cardcaptor Sakura, é só uma pena que, quando resolva engrenar, faça tudo tão rápido. Era isso que tínhamos e tava tudo bem, até que muitos anos depois surgiu Clear Card para simplesmente jogá-lo fora e transformá-lo num “filler”. Poxa, Clamp!
Pera aí, não desliga ainda!
Para o deleite dos amantes de fofura, A Carta Selada ainda guardou um presentinho no pós-créditos. Do mesmo jeito que os curtas que acompanham os primeiros filmes de Pokémon, temos uma aventura estrelada somente por Kero e Spi, sem precisar mostrar a cara de nenhum humano (exceto pelo Yamazaki, que aparece de relance).
A trama de 10 minutos começa por um motivo nobre: comida. Com a orientação de Eriol de que o seu mascote não pode comer doces, Sakura traz um mini-banquete de bolinhos de polvo para Kero e o visitante. Quando só sobra um bolinho no prato, a cortesia do “você pode comer” logo escalona para um “esse aqui é meu”. E nisso, a disputa por um simples bolinho se transforma em uma epopeia divertida que não deve a nenhum Looney Tunes da vida.
Felizmente, o especial também veio para cá, inserido como extra do DVD. Pois bem, vamos então falar sobre como foi esse lançamento louco no Brasil.
Sakura com nova voz! A Carta Selada no Brasil
Em idos de 2002, o Studio Gabia, uma casa de dublagem de São Paulo, resolveu ousar no mercado. Sentindo que animê era um segmento em ascensão naquele momento, o estúdio aventurou-se em se transformar também numa distribuidora, anunciando o lançamento de dois títulos: o desconhecido por aqui Vampire Princess Miyu e o 2º filme de Sakura.
A pergunta sobre o porquê de terem ignorado o 1º filme ainda não tem resposta, mas a gente pode especular que era mais interessante apostar numa continuação direta de um sucesso que já havia sido exibido e reprisado várias vezes naquele momento (e que a finada revista oficial da Conrad já havia contado o final, pois eles precisavam vender, né?), do que numa história isolada aleatória.
Porém, antes do Gabia tomar as rédeas do lançamento, o trabalho foi levado para ser feito em outro lugar, na Álamo, uma das casas mais respeitadas de São Paulo. Só que lá dentro, a diretora responsável (Márcia Regina, voz da Chiharu e a Misty de Pokémon) tava perdidinha por não saber a escalação da série na BKS, recorrendo a revistas e fãs para conseguir chegar aos nomes. Num primeiro momento, para o lançamento em fita VHS (por volta de abril de 2002, na revista Heróis da TV Especial), Mizuki e Sonomi (que só fazem umas pontas) tiveram as vozes trocadas, além do Spinel Sun. Mas eles até poderiam passar batidos, quem não poderia era justamente ela: A PERSONAGEM PRINCIPAL!
Momento Léo Dias: acontece que Daniella Piquet, dubladora original da Sakura, é filha da moça que era simplesmente a dona da BKS (e depois ela própria viria a assumir a presidência desse estúdio). A troca da casa de dublagem foi o motivo alegado oficialmente para a desistência da dubladora na época, e dá até pra entender a saia justa em que a moça ficou. Sem Piquet, a solução foi quase como uma “revanche”: Sakura ganhou a voz de Marli Bortoletto, dubladora original da Sailor Moon — personagem que a própria Daniella havia assumido como substituta. Ah, a ironia…
Depois da experiência vista com a fita, o Gabia foi atrás de corrigir algumas questões para o lançamento em DVD, que precisou passar por redublagens pontuais, trazendo de volta as dubladoras de Mizuki e Sonomi da BKS (a da Sakura não rolou mesmo e o Spinel infelizmente já havia falecido). Para essa distribuição de seus animês, a empresa montou uma parceria com a R2 Editora, trazendo os seus lançamentos como “brinde” (muitas aspas aqui) de uma revista nas bancas. Vampire Princess Miyu saiu primeiro, em setembro daquele ano, e A Carta Selada foi sendo adiado algumas vezes por conta das questões de dublagem.
Do finzinho de novembro para o começo de dezembro de 2002, o DVD foi lançado como parte da revista Anime News Nº 1. Além do filme principal e opções de idioma em japonês e espanhol, havia também o curta-metragem do Kero com o Spinel Sun e alguns extras, como o making-of da regravação do tema principal em português. Sim, regravação!
Acontece que todas as músicas cantadas que tocam no filme e no curta do Kero foram adaptadas para o português pela Álamo, mas a principal, que toca nos créditos, foi gravada inicialmente com outra vocal, ficando assim no VHS. Para o DVD, “Pra Ter Você” (Ashita he no Melody) ganhou interpretação de Sarah Regina, que já era conhecida do nicho pelo tema de Sailor Moon na Manchete e o apocalíptico “U.S.Mangááááá”. O resultado final não foi dos melhores (gravação musical em estúdio de dublagem tem dessas…), mas só existiu porque teve um primeiro que agradou menos.
Depois de Vampire Princess e Sakura, o Gabia ainda se aventurou com DVDs de Supercampeões (Road to 2002) e Shaman King, mas as baixas vendas e a pirataria em eventos teriam desestimulado a empresa a continuar (e lançar coisas planejadas, como Nadesico e Cyber Team in Akihabara). Correndo atrás do prejú, o Gabia chegou a replicar o disco mais duas vezes (sempre com uma capa variante), sendo a última versão a de 2006, pela desconhecida Sonar Filmes.
Na televisão, o Cartoon Network exibiu o filme pela primeira vez em 10 de novembro de 2002, e reprisou em várias oportunidades em seu Teatro Cartoon enquanto o contrato valia. Pra quem tinha TV paga na época, oportunidade não faltou. Mas infelizmente, o filme morreu ali nos anos 2000 e até o momento não há mais meios oficiais de acessá-lo.
Ficha técnica
- JAPÃO
Título: Gekijouban Cardcaptor Sakura Fuuin Sealed Card
Estreia nos cinemas: 15 de julho de 2000
Estúdio de animação: Madhouse
Criação: Clamp
Roteiro: Nanase Ohkawa
Direção geral: Morio Asaka
Trilha sonora: Takayuki Negishi
Elenco de vozes: Sakura Tange (Sakura), Motoko Kumai (Shaoran), Aya Hisakawa (Kero), Masaya Onosaka (Kerberos na forma original), Junko Iwao (Tomoyo), Tomokazu Seki (Touya), Megumi Ogata (Yukito/Yue), Hideyuki Tanaka (Fujitaka), Yukana Nogami (Meiling), Miwa Matsumoto (Chiharu), Emi Motoi (Naoko), Tomoko Kawakami (Rika), Issei Miyazaki (Yamazaki), Nozomu Sasaki (Eriol), Emi Shinohara (Mizuki), Miki Itou (Sonomi), Katsuyuki Konishi (professor Terada), Maaya Sakamoto (Carta Selada), Yumi Touma (Spinel Sun), CHAKA (canção “Ashita e no Melody”),
- BRASIL
Título no Brasil: Sakura Card Captors – O Filme: A Carta Selada
Distribuição: Cloverway/Studio Gabia
Emissora no Brasil: Cartoon Network
Elenco de dublagem: Marli Bortoletto (Sakura), Fábio Lucindo (Shaoran), Ivo Roberto (Kero), Daoiz Cabezudo (Kerberos na forma original), Fernanda Bullara (Tomoyo), Vagner Fangundes (Touya), Rodrigo Andreatto (Yukito/Yue e canção final da Sessão de Kero), Francisco Bretas (Fujitaka), Marisol Ribeiro (Meiling), Márcia Regina (Chiharu), Melissa Garcia (Naoko), Priscila Concépcion (Rika), Rafael Barioni (Yamazaki), Thiago Longo (Eriol), Adriana Pissardini (Mizuki — versão Gabia), Denise Reis (Sonomi — versão Gabia), Luiz Laffey (professor Terada), Tatá Guarnieri (Spinel Sun), Isabel de Sá (Mizuki — versão Álamo e Carta Esperança), Angélica Santos (Sonomi — versão Álamo e Carta Selada), Sarah Regina (canção “Pra Ter Você” — versão Gabia), Elisa Villon (canção de inserção)
Direção de dublagem: Márcia Regina (Álamo) e Lucia Helena (Studio Gabia)
Versão brasileira: Álamo (VHS) e Studio Gabia (redublagens para DVD)
Fontes consultadas: Revista Anime News Nº 1, acervo do site Anime Pró e acervo do site JBox